A Cláudia Mecânica: House, M.D.

Tinha mais que decidido sobre que filme é que queria escrever hoje. Revi-o e tudo. Era outro dos grandes, com mais uma excelente banda sonora, marcante. Daquelas com cenas indubitavelmente ligadas à música que têm de fundo. Mas à última da hora achei que, afinal, ia abrir uma excepção esta semana e quebrar esta dinâmica que criei para a minha rubrica. Em vez de um filme, hoje escolho uma série. Uma que, apesar de já não me ser tanto hoje como no passado, acabou por me dar bastante.

Sim, já vamos na 8ª season de House e sim, como fiel seguidora que fui durante muitos anos, estou bem ciente da qualidade que se foi perdendo e do potencial que se foi desperdiçando em prol de esticar um culto para prolongar o sucesso de audiências. No entanto, agora que estamos a chegar ao fim (a series finale vai para o ar já na próxima segunda feira), tenho de confessar algum saudosismo por dizer adeus a uma personagem que tem muito de meu também. Apesar de me ter perdido algures pelo caminho e de ter deixado de seguir com tanto afinco, teve a sua altura de devoção e fica sempre a nostalgia, até porque a vontade e a curiosidade em ir sabendo o ponto de situação foi-se sempre mantendo.
Acabamos por nos ligar. Acabamos por nos rever em atitudes, pensamentos, frases. Acabamos por julgar as outras com que não concordamos como se de alguém real se tratasse. “Que besta que tu és…”, não é? E porque a decadência dele acaba por ser nossa também, mas isso é tema para acompanhar um café.

Por acaso, uma das primeiras ideias que me vem à cabeça quando penso em House é o excelente gosto da equipa que nesta série trabalhou. Escrevo estas linhas com o épico de violinos e piano da My Body Is a Cage versão Peter Gabriel a crescer nos meus ouvidos e sinto algo a contorcer e a ficar desconfortável a cada nota que passa. Por muitas vezes que já tenha ouvido esta faixa, o efeito é sempre o mesmo.

http://www.youtube.com/watch?v=gRn0VZnndHU

O original é dos Arcade Fire e já tem muito que se lhe diga. Mas a forma como Peter Gabriel pega neste tema e o reinventa é torná-lo seu. É tipo Johnny Cash e a Hurt: por muito que gostes do original deixa de fazer sentido quando tens outra pessoa a por-lhe uma carga tremendamente pesada e sombria em cima.
No episódio em que esta versão da My Body Is a Cage entra temos um House em decadência, enterrado em dores, álcool, Vicodin. Sozinho. Às primeiras notas da música, começamos-lhe a ver o desespero no olhar, nos bocados de Whisky que vai pondo à boca, nas garrafas vazias espalhadas pelo chão. A sincronia entre som e imagem é perfeita. E de repente ele vai-se aproximando da varanda. E põe-se de pé nas grades. E num pico ele salta. E o nosso coração pára por um instante… “set my spirit free… set my body free“… até que o acto de libertação termina com uma bomba para dentro da piscina. E um sorriso e uma gargalhada à mistura. Que parvoíce, podia lá ele morrer agora!

Mas rebuscado e surpreendente foi terem ido buscar a Visions in the Dust dos Barn Owl, que até estiveram cá no Amplifest, para uma cena totalmente distinta da anteriormente descrita. Num tom muito mais leve, conhecemos o arqui-inimigo do House dos campeonatos de canhões de batatas.

Banda sonora perfeita que quase nos podia remeter para aqueles encontros que o John Waine tinha no faroeste. Não que tenha sido a cena ou o episódio mais marcante de todos, mas é Barn Owl. Numa série. Numa série vista por milhões no mundo inteiro.

Impossível também é falar de House sem relembrar Jeff Buckley. Primeiro episódio da segunda temporada e Hallelujah a fechar o episódio numa cena bastante heart breaking.

A Cameron era tão boazinha, lembram-se? Passou praticamente todo o episódio em negação, a tentar contornar um diagnóstico inevitável e fatal de uma doente a quem se tinha ligado. Quando se rende às evidências, entra a Hallelujah (mais uma que é original de Leonard Cohen mas que foi imortalizada pelo malogrado Jeff Buckley), para acompanhar a dolorosa altura de dar as más notícias a quem de direito.

E clássicos. Também por lá passaram os grandes clássicos. Um daqueles que estou habituada a ouvir cá por casa desde miúda fez-me saltar da cadeira quando começou a soar.

A intemporal Whiter Shade of Pale a encerrar um episódio onde uma das linhas paralelas acompanha Taub, aquele médico que não era propriamente conhecido por ser adepto da monogamia, a enfrentar uma crise no casamento. Até que, após os quase 60 minutos que cada episódio dura, consegue reconquistar mulher e resolver o problema que tinha surgido entre dois. Mas como old habits die hard, no final do episódio, ao som de Procol Harum, acompanhamos o nosso amigo médico a partir na direcção de uma enfermeira, bem jeitosa por sinal (ah, o cliché).

Gorillaz, AC/DC, Bon Iver, Rolling Stones, Fiona Apple, Radiohead… tantos e tantos que viram temas seus incluídos ao longo das diversas seasons enriqueceram e alimentaram tramas. Qualquer uma delas parecia que tinha sido escolhida a dedo para completar problemas existenciais, dores de alma ou parvoíces random que iam aparecendo lá pelo meio. Parte da magia deveu-se mesmo à escolha musical e às surpresas que fui apanhando lá pelo meio. Sabe sempre tão bem!

Despeço-me hoje dizendo que o tal filme fica para a próxima quarta feira. Deixo-vos então com uma última peça que também passou pelo House algures numa das temporadas. O violoncelo brilhantemente executado por Yo Yo Ma a recriar Bach.