A Cláudia Mecânica: Trainspotting

Gostava de ter tido tempo para rever este filme antes de postar sobre ele novamente. Porque merece. Porque é um dos melhores de sempre. E porque tenho medo que a memória me falhe enquanto escrevo sobre esta pequena obra prima. Há quem considere que esta é uma das melhores bandas sonoras de sempre. Não sei se tenho coragem de afirmar tal coisas também, mas se não é há de andar lá muito perto.

Corria o ano de 1996 quando Danny Boyle, aquele que se lembrou de fazer carreira no cinema depois do efeito que o Apocalypse Now teve em si, realizou este Trainspotting. Muito resumidamente, temos um junkie, que também é o nosso anti-herói e se chama Renton, e o seu grupo de amigos. Vivem em Edinburgo. Renton quer largar a heroína, mas não antes de uma última trip, que acabam por ser várias. A partir daqui, desencadeiam-se uma série de acontecimentos que afectam directamente todas as personagens. Visto assim, até pode parecer que não há aqui nada de especial; filmes sobre drogados há muitos. Mas o sarcasmo, o humor negro que o compõe elevam-no para outro patamar. A demência em algumas cenas é transcendente.

A banda sonora é uma delícia para qualquer amante de boa música. Começamos logo com a cena inicial, onde Renton se assume como narrador, e onde o vemos a fugir da polícia como se não houvesse amanhã. Ao mesmo tempo, vai-se introduzindo (o famoso discurso que começa com: “Choose a career. Choose a family. Choose a fucking big televion…” e culmina com “But why would I want to do a thing like that? I chose not to choose life: I chose something else. And the reasons? There are no reasons. Who needs reasons when you’ve got heroin?”) ao som da Lust for Life do Iggy Pop, que, pela sua letra, não deixa de ser uma escolha curiosa e acertada.

E o filme vai avançando e enquanto isso acontece grandes nomes vão desfilando pelos nossos ouvidos: Brian Eno, Primal Scream, New Order e, de repente chegamos a…

Esta faixa do Lou Reed dispensa apresentações. Aliás, quando falamos do Trainspotting é sempre a primeira que vem à cabeça. Acho que nunca mais consegui ouvir este tema sem visualizar a cena que acompanha na minha cabeça por ser uma das mais fortes e intensas do filme. Renton, um shot de heroína que corre mal e a maneira absolutamente deplorável como o tratam até chegar ao hospital. Verdadeira cena do “Don’t do drugs, kids”, mas que tem o seu je ne sais quoi de perturbador.

E continuamos a nossa viagem até chegar a Underworld e a sua intemporal Born Slippy, que ganhou uma exposição enorme por causa deste filme. E esta é a última que vos trago hoje. Na minha opinião, este tema expõe o casulo em que Renton viveu até aquele preciso momento, em que vai sair à noite pela primeira vez em muito tempo, para ouvir músicas que desconhecia. Viveu alheado, num mundo à parte, preso nos muros que a heroína construiu na sua vida. É capaz de ser um daqueles momentos em que o nosso anti-herói se apercebe verdadeiramente que se calhar era melhor começar a levar mais a sério a vontade em largar a droga de vez.

Curiosidade final: o primeiro CD tem a maioria das músicas que entram no filme. A popularidade alcançada foi tanta que, um ano depois, estava a sair segundo CD com as restantes músicas que ficaram de fora e com outras que inspiraram na criação desta história e personagens. Como se já não fosse suficiente a overdose de boa música que a primeira compilação tem, de repente temos outra com nomes como Joy Division e a sua Atmosphere (que só é um dos meus temas preferidos de sempre), ou a Golden Years de David Bowie.

Este é um daqueles casos em que música e filme se complementam. O Trainspotting sem esta selecção não seria a mesma coisa. Junkies a correr sem Iggy Pop não era a mesma coisa. Ou overdoses sem Lou Reed. Ou mudanças para Londres sem Pulp. Deixo-vos hoje com mais um must see.