A Música e o Futuro I

Primeira advertência: Sim, este é um texto sobre MP3’s e pirataria. Aquele assunto já discutido e dissecado vezes sem conta e em que tudo já foi dito. Não tenho o objectivo de mudar a opinião de ninguém. Talvez a diferença, neste caso seja que ele se dirige mais talvez a músicos do que a apenas fãs de música.

Segunda advertência: 80% da música que oiço é em formato digital. Porque me dá mais jeito, porque é mais prático, haverá por certo uma série de motivos. Apesar disso aprendi a valorizar e a apreciar mais o formato físico nos últimos anos, quando se calhar muita gente começou a ter o sentimento oposto perante o mesmo. Provavelmente deve-se ao facto de ver por parte dos artistas também um maior investimento na qualidade dos mesmos e que estes não sejam apenas música num pedaço de plástico ou cartão.

Sempre me considerei um defensor da pirataria e dos benefícios da mesma para uma banda de pequena/média dimensão até me aperceber que, não era realmente defensor da pirataria, estava se calhar era preso a uns “moldes” de pensar e de ver a indústria musical que estão, obsoletas. A pirataria existe porque há gente ainda presa a ideias antigas. E talvez ainda exista também porque dá jeito ter um bode expiatório para justificar certos falhanços e, maior parte das vezes é mais facil apontar o dedo e culpar o outro do que nós próprios. A verdade é que a música, queiramos admitir ou não, por si só e com e o digital, perdeu valor comercial. As pessoas começaram e têm vindo ao longo dos anos a habituar-se a ter acesso a música gratuitamente. E não acredito que haja volta a dar a isto. E esta perda de valor do que é, ao fim do dia, a sua arte penso que colocou muitos músicos numa posição frágil e subservienteperante os seus fãs chegando ao ponto de vermos muitas vezes os mesmos a tentar justificar-se perante os seus fãs o valor da sua arte e a mendigar pelo seu dinheiro. Isso ou a hostilizar os seus próprios fãs mesmo muitas vezes admitindo eles próprios que também fazem download pirata de música. É nestas atitudes e, numa certa forma de estar que vejo hoje em dia em certos músicos, no que toca à pirataria, que vou tentar focar-me pois em muitos dele vejo a) uma falha na percepção bem como na aceitaçao desta nova realidade e uma falha em perceber que esta mesma realidade, mais que enfraquecê-los, pode dar uma nova força e controlo aos músicos e b) uma certa hipocrisia e uma certa dualidade de critérios.

Se colocarmos como ponto assente que as pessoas, se quiserem vão ter acesso à música de borla será preferível adoptar-se uma postura de victimização e criar as condições para que as pessoas não oiçam a música como foi concebida (com pouca qualidade, sem qualquer tipo de artwork, leaks de versões não finalizadas) e que assim, a sua experiência com a música seja comprometida? Ou não será melhor aceitar as coisas se tornaram, tomar rédeas e, não o podendo parar, ao menos controlar esse inevitável consumo gratuito de música? Tomar uma posição pro-activa e certificarmo-nos de que as pessoas têm acesso à musica com qualidade e às versões finais das mesmas e que possam ouvir, mesmo através de MP3, à música como foi imaginada. Envolvendo-as também no artwork, criando uma versão digital do mesmo em vez de uma mera imagem da capa, e tentar que estas tenham uma experiência semelhante (ainda que nunca sendo a mesma coisa) à que teriam se tivessem simplesmente comprado um CD. E se o ponto que atrás mencionei faz sentido porque não simplesmente disponibilizar uma versão digital gratuita do trabalho? Até o streaming de um trabalho me parece pouco ousado e apenas uma meia medida. Disponibilizar o trabalho online mas não dá-lo – parece me outro sinal desimulado de consentimento para perpetuar a pirataria (facilmente se faz download de músicas de um bandcamp, apesar de muitas vezes com sacrifício de qualidade). E um pirata que faz download de um trabalho não será apenas mais que um fã ou um potencial fã? Porquê apelidá-lo de “pirata”? Muitos se definarão como piratas com orgulho mas provavelmente apenas porque são hostilizados e muitas vezes pelos próprios artistas que diaramente ouvem e apreciam. E mesmo que ao fim do dia um músico não se sinta incomodado pela pirataria e num gesto de “rebelião” possa até incentivar quem quiser a piratear os seus trabalhos que o faça, o simples facto de continuar a permitir que o seu trabalho seja pirateado fá-lo cúmplice de uma indústria que, na sua maioria, parece estar em guerra com as pessoas que a (ainda) suportam (ainda recentemente li sobre a Century Media Records andar a processar individualmente pessoas pelo download de trabalhos do seu catálogo). Ora se somos todos fãs de música penso, músicos e não músicos, não podemos aceitar dois pesos e duas medidas. Por isso é que me tornei contra a pirataria. Porque esta não tem que existir. Porque não faz sentido apelidar alguém de pirata hoje em dia. Não acho que precise de ser assim.

E com isto não defendo que o formato físico se tornou obsoleto. Defendo e até acho que o mesmo se tornou mais relevante. Porque para existir e pelos riscos que acarreta, hoje em dia, tem que se justificar e tem que fazer sentido. E acredito que afinal o valor da música não tenha diminuido de todo, apenas se tenha transformado. Vejo uma receptividade crescente a edições especiais e limitadas à medida que também vejo o desejo de ter o formato físico de um álbum a ser substituido pelo desejo de ter uma peça de arte com um artwork pensado e que, ao fim do dia seja mais do que um simples pedaço de plástico. Daí a sua maior importância. Passou em muitos casos de um pedaço fabricado de plástico com informação musical para um objecto que é por si só quase uma experiência, para além da música. E vejo o formato digital como um teaser, como um complemento de lançamentos desta natureza.

Talvez o que falte é uma abertura e uma vontade de contrariar esta ideia da música que se faz nos pertence apenas a nós. O que tenho visto é que se partilharmos e abrirmos mão da música que fazemos, as pessoas irão responder a isso. E tentar fazer boa música, vinda da alma, com substância e que não seja facilmente descartável também nunca fez mal a ninguém.