A Música e o Futuro II
Com a emergência do “descartável” MP3 e no meio das transformações que assistimos na maneira como os artistas comunicam com os seus fãs – muitas vezes superficial e sem um receptor em concreto – haverá ainda espaço e maneiras de criar uma relação com uma comunidade à volta do artista e da sua música?
Apesar de todas as vantagens que as novas tecnologias trouxeram, as características do paradigma musical actual podem por um lado fazer com que seja mais fácil contactar e partilhar as nossas músicas com quem quiser ouvir mas, e com todos os artistas a tentarem o mesmo, tornar mais difícil a criação de uma ligação entre a música e o artista que a fez e a quem a ouve. É legítimo até extrapolar esta dificuldade em criar uma ligação não só no contexto de bandas/músicas mas em todo o espectro de comunicação hoje em dia. Nunca tivemos tão ligados e ao mesmo tempo tão desligados uns dos outros.
E não será um problema inédito dos tempos em que vivemos mas acho que, e especialmente nos dias de hoje, é pertinente pensar nesta questão e em possíveis maneiras de contrariar esta tendência. Umas das soluções mais interessantes poderá passar por arranjar maneiras novas e originais das pessoas se ligarem com a música. Anteriormente mencionei as edições físicas limitadas e o cuidado na criação das mesmas mas por certo não será a única maneira de o fazer. Porque não, por exemplo, fazer as pessoas parte do processo criativo? Porque não subverter o papel, normalmente passivo, dos fãs e convidá-los a fazer parte da música ou de uma experiência maior que apenas a música?
Numa experiência nada tecnológica o Beck decidiu lançar o seu próximo CD na forma de partituras e convida quem quiser não apenas a fazer play no CD ou num MP3 mas, de modo a poder apreciar a música composta, a pegar num instrumento e a dar vida às músicas. À partida pode parecer uma atitude um pouco elitista – afinal de contas apenas quem dominar um instrumento musical e souber ler música é que poderá participar – mas se formos ao Youtube hoje em dia vemos dezenas e dezenas de covers de músicas feitas por fãs, das mais geniais às que simplesmente assassinam a original. Mas, raras excepções, todos a seguir a música original. Não podendo ouvir o original, esta a tarefa de dar vida a uma música que está numa partitura acarreta, inevitavelmente, que quem quiser interpretar as músicas colocará um cunho pessoal na mesma. E temos de repente uma comunidade inteira de pessoas a não recriarem apenas uma música mas a dar uma vida própria à mesma. Várias vidas. Porque notas são apenas isso, notas. Poderemos provavelmente ver no futuro a mesma música do Beck ser tocada num sintetizador ou num banjo. Num piano ou num ukelele. E talvez seja interessante ver o que o Beck vai fazer depois com todas estas contribuições e, caso toque as músicas ao vivo, como as vai tocar.
Há também casos de artistas que convidaram os fãs não para darem uma vida às músicas mas para, eles próprios, contribuírem para a gravação das mesmas e fazerem parte da alma das composições. Um caso interessante foi a gravação do ultimo álbum de 30 Seconds to Mars – descansem, eu gosto tanto deles como a maioria de vocês, pouco ou nada – mas não deixo de achar interessante ter sido criado um evento durante as gravações para os fãs contribuírem para o CD. Desde percussão, a vozes a refrões cantados pelos mesmos. Pessoalmente, não sendo fã, não posso rever-me no entusiasmo de contribuir para um CD de 30 Seconds to Mars mas se algum dos meus ídolos ou referências musicais organizasse algo semelhante de certeza que estaria lá. E a experiência de ouvir o resultado final seria 10 vezes mais recompensadora. Também convidaram os fãs a submeterem no site as suas fotos e foram criadas 2000 capas diferentes para CD com fãs de todo o mundo.
E no mundo digital oiço alguém perguntar lá ao fundo. Talvez o exemplo mais recente e interessante seja feito pela Bjork com o seu álbum “Biophilia” descrito como o primeiro álbum “app” disponível tanto para Ipad como para Iphone (mais tarde as músicas foram também lançadas em formatos mais “comuns”). Dentro da aplicação “mãe” somos convidados a descarregar uma aplicação por música onde temos acesso às notas partituras das mesmas – interessante para quem quiser fazer uma cover ou remixar as mesmas -, pequenos jogos e a tocar certos sons usados na composição do álbum. Existem também animações, introduções às músicas. Tudo para uma interactividade no processo de assimilar a música que normalmente não existe. Temos também o caso dos Nine Inch Nails que lançaram um álbum de remixes para o seu inspirado no “Year Zero” de nome “Y34RZ3R0R3M1X3D “ em que para além do álbum em si, vinha um DVD bónus com todas as faixas separadas por instrumentos e com ficheiros para abrir as mesmas músicas tanto em Ableton live como no Cakewalk Sonar, dando assim as ferramentas necessárias para, quem quisesse, remixar qualquer música do CD, fosse um produtor de renome ou um miúdo qualquer no seu quarto. Na mesma altura foi lançado um site – remix.nin.com – onde mais faixas para remix foram coladas – inclusive a banda sonora para o “the social network – e onde qualquer um pode se registar e fazer upload das remixes que fez, ouvir remixes feitas e classificá-las. Uma comunidade a manter dar uma nova vida às músicas de Nine Inch Nails. Porque as músicas não têm que ter só uma roupagem, um aspecto e uma vida. E não têm que ser só de quem as compôs inicialmente.
Para muitos acredito que estes casos e experiências sejam talvez apenas distracções e golpes de marketing que desviam atenção do que realmente interessa – a música. Mas a arte sempre teve uma vertente colaborativa e nunca foi apenas, ou não precisa de ser, unidireccional. E novas maneiras de viver a música só tornam a mesma mais rica e, a meu ver, mais profunda e com mais significado.