A Música e o Futuro IV

Não é uma ideia nova ou propriamente original mas o conceito de uma performance ao vivo de um álbum na sua integra (seja um clássico ou seja simplesmente o mais recente) tem, sem dúvida, vindo a ganhar uma nova popularidade na ultima década. Pelo menos em festivais como o Roadburn e Supersonic têm-se tornado uma constante bandas recriarem um álbum na sua integra, normalmente o mais icónico da sua carreira. Sem contar com tours temáticas dedicadas a albuns clássicos.

Haverá um sentimento de nostalgia – principalmente quando o álbum a ser recriado é considerado um clássico – mas penso que este fenómeno é impossível de explicar na sua totalidade sem analisar e o colocarmos em contexto com os tempos que vivemos.

Vivemos uma altura em que o consumo de música no dia-a-dia é, pelo menos para a maioria, fragmentado e onde muitos de nós simplesmente deixámos de ouvir regularmente um álbum do inicio ao fim. É por isso interessante este conceito de concerto perdurar, ter crescido e sempre com grande receptividade.

Podia-se entrar na discussão de se o formato álbum, com o mp3 e com a possibilidade de hoje em dia podermos fazer download (ou mesmo comprar) músicas isoladas, perdeu relevância (temos artistas como os smashing pumpkins já a lançar músicas soltas de cada vez e pequenos EPs em vez de álbuns, por exemplo). A própria natureza dos leitores de mp3 e os programas de música hoje em dia virados para algoritmos que fazem playlists por nós e opções de shuffle/random só servem para desconstruir ainda mais o conceito de álbum. Penso aliás que hoje em dia muitos de nós constroem, a partir de certas fontes, a sua banda sonora diária, em vez de aceitar a ordem imposta por um álbum e a visão de um artista aquando da concepção do mesmo.

E talvez seja por isso, que este conceito tenha ganho alguma relevância nesta altura que a música é mais consumida em partes do que num todo. A passagem da experiencia de ouvir um álbum na nossa sala ou quarto para um palco. Se por um lado permite aos artistas mostrarem e recriarem uma obra como a imaginaram e na ordem escolhida pelos mesmos, é também uma forma de quem ouve, puder ouvir não de forma fragmentada o álbum mas em comunhão com outros fãs o todo e, com a força que um concerto ao vivo pode ter, de forma mais intensa. Imprevisibilidade num concerto pode ser interessante, a antecipação e o saber o que vem a seguir e as memórias que esse sentimento nos pode suscitar, é algo que não pode ser ignorado.

Penso também que será, tal como vemos essa evolução nos lançamentos de música físicos, uma maneira também de trazer o conceito de exclusividade para o espectáculo. A ideia de estarmos a assistir a algo raro ou único. Quem viu o Streetcleaner a ser tocado ao vivo pelos Godflesh na íntegra depois da sua reunião sabe que difícil é algo que se vá repetir. E os fãs de música ganham com esse sentimento de exclusividade o sentimento de terem feito parte de algo único e os músicos acabam por poder recriar álbuns da maneira que querem e atrair mais gente aos concertos. A desculpa de “tocam sempre as mesmas canções, vejo para a próxima” aqui não existirá de certeza. Talvez se as bandas começarem a conceptualizar mais as suas performances em vez de serem “best of”’s ao vivo e haver a possibilidade de, se perdermos um concerto, não voltarmos a ouvir certas músicas o conceito do que é um espectáculo ao vivo possa mudar e certas desculpas de não ir ver uma banda ao vivo também deixem de existir.