A Música e o Futuro

Quando decidi aceitar o convite da Amplificasom para contribuir semanalmente para o seu blog confesso que me senti um pouco desnorteado. Nunca tinha tentado escrever para um blog nem fazia grande ideia do que haveria de escrever. Sobre a minha relação com o blog, posso dizer que acompanhei a Amplificasom e o seu blog praticamente desde a sua génese, na altura foi quase reconfortante o seu aparecimento pois revi-me bastante nas correntes musicais que eram faladas no mesmo, numa altura em que sentia que as mesmas ainda não tinham ganho grande expressão em Portugal, por isso quase que posso dizer que comecei a seguir a Amplificasom pelo conforto de saber que não estava sozinho ao gostar de certas bandas e de certas sonoridades. E apesar de ter começado como um blog de música pude constatar que ao longo do tempo, e através dos seus convidados mensais, o mesmo a abrir-se e a tornar-se um blog bem maior e capaz de englobar muita mais arte e interesses. Mesmo assim, e tendo tentado no início escolher um tema fora da música, vi que era o tema que fazia mais sentido para mim. Faltava ver do que iria falar especificamente e esse talvez foi o passo mais fácil pois, apesar de ser um apaixonado por música, sempre dei por mim mais fascinado em perceber e analisar as mudanças que se vivem hoje em dia na industria da música, no dia-a-dia dos músicos do que necessariamente a ver qual o melhor álbum da banda X ou as influencias da banda Y. Por isso decidi dar o meu contributo e as minhas opiniões sobre o que vejo que está a acontecer hoje em dia com o digital, os MP3 (tema já muito batido mas que tentarei falar dele sem reciclar demasiado) as redes sociais e as novas tecnologias.

Tendo isto dito, começo com o Facebook.

Sim o Facebook, esse site onde todos nós passamos mais tempo do que gostamos de admitir. E que, apesar de na sua origem não ter sido pensada para isso, conseguiu “matar” o Myspace como principal espaço virtual onde uma banda deve estar representada e chegando a questionar, para mim, a própria relevância de ter um site próprio hoje em dia (desde que seja usado em conjunto com outras plataformas tais como o tumblr e o Bandcamp entre outros).

Mas este texto não vai centrar-se nas vantagens das redes sociais e, por consequência, do Facebook, para os artistas e na comunicação entre eles e os seus fãs. Penso que essas vantagens são inegáveis e já foram muitas vezes discutidas. Irei centrar-me sim na ideia que, tal como as mudanças no consumo de música nos últimos 10 anos com a ascensão do digital trouxeram coisas boas e más, as redes sociais ao mudarem a forma que os artistas interagem com os seus fãs e a maneira como se relacionam e criam ligações com os mesmos tenham tido também um lado negativo.

O evento que me fez começar a reflectir de maneira mais séria sobre algo estar a ser distorcido ou pervertido na interacção e no feedback que vejo entre bandas e fãs foi numa ida minha em Março ou Abril a um concerto de 3 bandas que, julgando pela sua popularidade on-line deviam ter tido casa cheia. Tiveram cerca de 15/20 pessoas.

Facilmente pode-se atribuir culpa a má divulgação, ao preço caro do bilhete – que neste caso era bem barato -, ao público que não vai aos concertos hoje em dia, enfim há uma série de possíveis “culpados”. Mas não deixei de achar interessante bandas com supostamente tantos “fãs” terem uma casa apenas para eles, amigos e pouco mais. Uma delas em particular, após espreitar o seu Facebook vi que tinha mais de 1500 “fãs”, making of’s, videoclips e publicações frequentes na sua página, o que fez interrogar-me para quem realmente eram aquelas publicações e quem realmente estava a vê-las se lhes dava a devida, ou se alguma, importância.

Comecei talvez a partir daí a notar com mais atenção à informação que via os artistas e bandas que tenho subscritas no Facebook e comecei a notar em algumas bandas uma tendência em partilhar, para além do seu material, inúmeros posts opinativos que iam desde assuntos sérios – raramente – a trivialidades, fotos completamente irrelevantes à arte que fazem e inúmeras fotos promocionais que parecem ter mais o objectivo de alimentar alguns egos e chamarem a atenção do que necessariamente servirem de material promocional. E a ver pessoas a consumirem esses conteúdos, em certos casos com uma maior procura e receptividade do que os conteúdos puramente relacionados com a música desse mesmo artista/banda. À partida a primeira ideia que me surgiu foi que se calhar trata-se simplesmente uma manifestação de um dos lados negros deste medium e não algo exclusivo a artistas e fãs. Quem não tem na sua lista de amigos pessoas claramente com comportamentos exibicionistas e outras com comportamentos desejosas de saber novidades desses mesmos exibicionistas? E sem dúvida que podem haver situações dessas em que há músicos e fãs que ocupam essas posições não pelos motivos mais nobres e que hajam casos em que haja um aproveitamento deste medium para chamar a atenção, num caso, e espiar de modo “voyeur” os nossos ídolos noutro. Mas talvez fosse uma generalização bastante fácil e acredito que não seja esse o caso na generalidade. Talvez fosse sim algo mais profundo e mais paradigmático da maneira que consumimos informação e cultura hoje dia.

Numa altura em que material de consumo rápido e descartável é mais atractivo e melhor adaptado ao pouco tempo que nos dedicamos muitas vezes nas nossas vidas a consumir música – quem hoje em dia se dedica frequentemente só e apenas a ouvir música sem complementar esse acto com outra coisa qualquer? – é legitimo admitir que certos artistas, apercebendo-se desse mesmo rápido ritmo em que a música é consumida, e na procura de se manterem no radar dos seus fãs e de continuarem relevantes, acabem, consciente ou inconscientemente, por ceder e procurem produzir continuamente conteúdo, mesmo não musical – fotos, making of’s (alguém realmente vê a maioria deles?) e façam posts sobre tudo e nada.

Pode também ser apenas uma hipérbole do que antes se fazia antigamente quando se procurava desenfreadamente informação sobre a nossa nova banda favorita. Com este texto pretendo apenas apresentar uma situação que penso que esteja a acontecer e lançar ideias para o porquê da mesma. Mas lembro-me de à 10 anos para trás, se comprava revistas, lia-se os booklets com toda a dedicação e procurava-se incessantemente na Internet tudo o que se podia arranjar. Lembro-me pessoalmente de me inscrever no site da Earache Records como membro de Press (e não, obviamente que não o era) para ter acesso a fotos promocionais (raras) e a criticas e entrevistas das bandas que gostava e que pertenciam à editora. Doutra forma quase ou nenhuma informação conseguia arranjar. E aí está algo que, mesmo que estejamos a viver numa hipérbole destes comportamentos que muitos de nós fazíamos antigamente, também acho que faz uma diferença enorme. O procurarmos activamente informação sobre algo versus termos informação impingida.

Continuo a achar que “less is more” e a partilha em excesso de informação por parte dos artistas sobre coisas que vão para além da música pode causar ruído na comunicação e fazer muita gente desligar da banda e por consequência acabar por ignorar as informações que realmente interessam. Também acho que o Facebook e as redes sociais, pelas suas características, acabaram por incentivar as bandas a dar mais de si e a exporem-se mais do que antigamente. E tudo o que é demais pode ter o efeito oposto e para mim demasiada informação tira também a mística de uma banda. Dando exemplo e falando logo de bandas cheias de mística e consideradas bandas de culto: penso ser um facto adquirido que, quando sai uma notícia de uns Neurosis ou de uns Converge é quase um evento por si só. Pela qualidade das bandas sem dúvida mas também porque são bandas que se reservam e não dão muitas notícias e, quando as dão, já sabemos que vem aí algo grande. Saber pouco sobre um artista ou banda, pelo menos a mim, ajuda-me a focar-me mais na sua arte e absorvê-la de modo mais intenso. E no fim do dia penso que é isso que importa, não o que o músico bebe, com quem faz festas ou o que comeu ao pequeno-almoço mas, e apenas a sua arte.