Amplitude 11.03
Novos discos de Ufomammut, Zu, Lightning Bolt e Wino & Conny Ochs prestes a rodarem por aqui. No entanto, nada de novo nos últimos dias: recuperei o V dos AMENRA (bom saber que estão em estúdio), o Jane Doe dos Converge, Der Freiwillige Bettler dos Urfaust e convidei assim o Tiago Dias para tomar conta deste espaço. O resultado é o texto maravilhoso que se segue, apreciem:
Matana Roberts – COIN COIN Chapter Three River Run Thee [Constellation 2015]
Ainda agora começámos. São 12 partes. Vamos na terceira. Cada qual difere da anterior. Cada qual está ligada à anterior. Chama-se COIN COIN e é a inadjetivável, inclassificável, tudo menos inominável, saga criada por Matana Roberts para e sobre a história de uma família, de uma região e de um país. Ouvir as três primeiras partes da sequência, ler textos sobre Selma e saber que o passado não é uma terra estrangeira nem sequer uma terra distante. Só para a memória. Essa é que é pequena, como a alma.
Matana Roberts criou três peças distintas. Todas elas perturbadoras à sua maneira. O terceiro capítulo será o que mais faz transpor uma raiva contida. Falamos de fantasmas. Ainda agora começámos. Malcolm X diz, no mesmo discurso que surge em river run thee, que o homem negro dos Estados Unidos “será mais justo quando se erguer e começar a proteger-se, independentemente de quantos pescoços tem de partir e quantas cabeças tem de rachar”. Não há pescoços partidos nem cabeças rachadas aqui. Estamos noutro domínio. Vamos na terceira.
O saxofone de Matana é a mais tranquila das presenças. São as vozes que inquietam. O ruído é ocasional. Irrelevante. São as vozes que perturbam. Posso jurar que oiço a palavra “portugueses” a dada altura e sinto-me culpado de imediato. Não consigo perceber o contexto. Não interessa. Interessaria, mas não consigo, logo não interessa. Sinto-me apenas culpado. De tudo. É tudo doloroso. É tudo inquietante. Matana Roberts deixou para trás o free jazz. Esqueçam a última frase. Matana tem como mote geral a frase “aprende as regras só para que as possas quebrar”. O free jazz não foi deixado para trás porque ele está aqui. É o mais curioso deste processo todo. O free jazz tem regras? Elas foram incorporadas para serem quebradas? E daqui para onde?
Há ruído, há canções, há vozes, há confusão. Há muita dor. Há muito desejo de liberdade. Como se é livre do que já livre? Por outro lado, como se liberta algo que é no seu âmago sobre uma prisão?
A dada altura perguntamo-nos se queremos prosseguir. É demasiado. Trop. Não há como lidar. Lidar. A questão não se prende com querer. Prende-se com ter de prosseguir. Matana parece estar só, mas não podia estar menos só. Passo do terceiro capítulo em sentido inverso para o segundo. Tenho logo o consolo do piano. O corpo descontrai. Saxofone. O piano. A bateria. Se do segundo para o terceiro Matana se cingiu à essência e agora? Agora, pergunto. Ainda agora começámos.