Amplitude 19.02
Dois discos a rodar intensa e alternadamente nesta última semana: The Deal dos SUMAC e The Ark Work dos Liturgy.
Uma das coisas mais importantes na música é ter uma relação autêntica com a mesma. Acho muito poderoso o facto de se manter fiel ao que se acredita, às visões artísticas e simplesmente aprender a lidar com a crítica da melhor maneira. É uma forma louvável de se estar na vida. Isto para dizer que estes dois discos são do caralho, dos melhores que ouviremos este ano, mas vão fazer correr muita tinta, sobretudo o dos Liturgy.
Cinco anos depois do fim honesto dos Isis, Aaron Turner é o único (ex) elemento a oferecer uma variedade de sons interessantes e recomendáveis, do elegante ao sujo, com diferentes projectos: Mamiffer, Old Man Gloom, Split Cranium, Jodis, Twilight.. Conhecendo o seu trabalho, o The Deal não surpreende (no sentido que esperamos sempre algo novo, algo que evolui do trabalho anterior, que se supera – tem sido uma condição nos seus trabalhos), mas oferece, sem dúvida, uma perspectiva mais agressiva, talvez a mais pesada até hoje, e altamente recompensadora no final de cada audição.
As primeiras são dificéis, emanam uma certa sensação de inquietação e estranheza entre a agitação da guitarra e os padrões rítmicos do brilhante baterista Nick Yacyshyn (os seus detalhes fazem-me puxar os temas atrás para os ouvir novamente). Onde nos outros projectos (os que mais ouço, pelo menos) encontrávamos uma palete de sons cuidadosamente construída, The Deal respira da fragmentação, do desequilíbrio, do improviso mas isto sem nunca parecer forçado. As malhas são incríveis! E vão-se entranhando, vão-se tornando viciantes e quando o pó assenta (com aquela última malha que, se fosse hoje, seria a banda sonora do Dead Man do Jarmusch) só queremos fazer play novamente.
Nobody realizes that some people expend tremendous energy merely to be normal.
Sumac é sumagre em português, uma planta/ especiaria. Mas, Sumac também é Camus de trás para a frente, alertou-me um amigo. Acredito que o The Deal tem muito de Albert Camus, deste “negócio”/ troca que fazemos diariamente para vivermos em sociedade. Ou talvez não, assim o tenho interpretado de qualquer maneira.
Nota: apesar da banda se assumir como um duo, Brian Cook (que nos visitará em Abril com os Russian Circles) está igualmente perfeito.
Também em loop desde que ouvi o tema Kel Valhaal está o novo trabalho dos Liturgy, banda que está destinada a ser amada ou odiada sem qualquer possibilidade de meio termo.
Black metal is music that isn’t meant for a rock band, that happens to be played by a rock band. Eventually the arrangements expand.
Hunter Hunt-Hendrix, o arquitecto da banda, teve essa afirmação recentemente. Nunca os pus nessa prateleira e este disco é a afirmação dum espectro, já por eles utilizado anteriormente, muito próprio: transcendental black metal. Etiquetas à parte, é o contexto que está em causa, uma forma de dizerem ao mundo que o que fazem é único e aí sublinho completamente.
Dispenso ouvir os avanços dos discos, prefiro ouvi-los e digeri-los no seu todo. Fui então apanhado de surpresa após a primeira audição. Sopros, cordas, rap, dinâmica tensas, arranjos densos e originais e tudo isto sempre com a energia do metal: bruta e profunda. Musicalmente coeso, inovador, disco alucinante e ainda assim receio não o estar a elogiá-lo como merece.
Curioso para começar a ler/ ouvir as vossas opiniões e a da crítica que interessa. Vai-se escrever muita merda também, mas são discos destes que mudam e inovam as regras do jogo.
Independentemente dos géneros, estes dois discos têm todos os ingredientes que me agarram. Estou impressionado e preparado para comprar os Lps. Voltarão a estas linhas mais tarde.
Também a rodar: Don McGreevy, Marika Hackman, RA e Watter.