Amplitude 26.02
King Woman – Doubt EP [Flenser Records 2015]
Quantos elementos de shoegaze podemos adicionar a um disco de metal até que ele deixe de ser considerado como tal? Isto não é metal, é rico em riffs e camadas shoegazianas sonhadoras – foi-nos exageradamente solicitado que ouvissemos este disco a pensar em Mazzy Star com Black Sabbath. Mas não, não é metal. Ou melhor, o que é metal? Pesados ficamos depois de ouvir tudo o que Kristina Esfandiari tem a dizer. Confirmo. Cresceu num ambiente cristão fundamentalista, passou um mau bocado. A sua voz emocional (quem gravou estas malhas sabia o que fazia, é mais um instrumento e só se destaca pela sua beleza) hipnotiza como se fosse uma guia espiritual durante os quatro temas, mas depois de uma dezena de audições o que ficou foi a King of Swords, o EP no seu todo não deixa assim tantas saudades. O título torna-se então apropriado: tenho dúvidas se aguentarei um LP deles do início ao fim. Mas sim, venha ele.
Peter Brötzmann, Keiji Haino, Jim O’Rourke – Two City Blues 2 [Trost Records 2015]
Classe e currículos inquestionáveis, dispensam apresentações. Quando os três se juntam criam aliens, malhas que intrigam e não sei que mais vos diga deste Two City Blues porque o que vão ouvir aqui não ouvirão em mais lado nenhum – é inclusive no catálogo do Brotz uma entrada distinta e valiosa. Excelente combinação dos melhores e mais interessantes músicos que por cá andam = excelente disco. Trio de sonho, trio que sonho. Gigantes!
Richard Dawson – Nothing Important [Weird World 2014]
Que disco notável! Espirituoso mas inquietante, impetuoso mas afectuoso.. Estou-me a tentar lembrar da última vez que ouvi algo tão obscenamente intímo. Todo o disco é, de facto, uma declaração sincera da individualidade, de alguém em conflito permanente que se expõe desta maneira e quase que nos deixa embaraçados. Corajoso e honesto, sem dúvida. E provoca-nos, sim, mas não de forma deliberada como muita merda por aí. O mel está quase todo no atraente trabalho de guitarra: imaginem os acordes certos na ordem errada, uma espécie de Jandek ao sol sem nunca esquecer Derek Bailey, Nels Cline.. Por aí. Mas agora imaginem esses mesmos acordes erráticos com uma voz idiossincrática a debitar por cima letras tiradas de diários do secundário sobre visitas de estudo e chaves de fendas, de quartos forrados com as listras do Newcastle United, meditação e afins. Estranha mente, brilhante mente. “Fraude”, dirão alguns de vocês. “Génio” direi eu e os meus amigos do grupo de fãs do Richard Dawnson que vou criar no Facebook. E vamos ser tão poucos que nem queremos saber. É irrelevante partilhar a sua música, o seu mundo, só quando a descobrimos é que sentimos o quão especial é este disco.
Watter – This World [Temporary Residence 2014]
Projecto com o Britt dos Slint (baterista) e Zak (guitarrista e não só) dos Grails? Claro que sim. São aqui acompanhados a tempo inteiro pelo multi-instrumentista Tyler Trotter onde se juntam, como convidados, Rachel Grimes (Rachel’s) e Tony Levin (King Crimson). Pensem em pós-rock, não o pós-rock que toda a gente que adorava há uns anos atrás agora gosta de dizer que nunca gostou, mas o pós-rock dos noventas. Este disco fez-me pensar em algumas dessas bandas, não só os Slint por razões óbvias mas outras pérolas como os Polvo, por exemplo. É composto por seis instrumentais que se vão construindo pacientemente onde a introspecção é o ponto de partida. Sentimos algumas cores, algum quente confortável, sentimos que o disco até emana esperança.
Excelente passeio por Louisville, gosto de imaginar, mas algumas audições em loop entre viagens e foram as saudades dos Grails que realmente bateram. Não que se sinta que tentaram recriar qualquer magia dos seus outros projectos, pelo contrário, usaram os seus pontos fortes e trilharam o seu caminho, mas no final This World não é assim tão bom que nos faça desviá-los do pensamento.
Nota: o artwork é lindíssimo.
A desfrutar: Atillla, Earth 2, Enablers, Ermo e Plebeian Grandstand.