As Guitarras do Ângelo: os riffs do Roadburn

A guitarra:

Tantas guitarras, tantos amplificadores, tantos riffs. O Roadburn acabou há pouco mais de uma semana e por aqui já se contam os dias que faltam para a próxima edição – são 360, já agora.

Generalidades aborrecidotécnicas:

Obviamente, ir a um festival como o Roadburn é tudo menos aborrecido. Mal tínhamos posto os pés no complexo 013 e ainda tentávamos perceber onde ficava cada uma das salas quando demos de caras com os The Icarus Line a abrirem o festival na Green room. Soavam bem, tinham uma atitude descomprometida e o guitarrista tinha uma bonita Jaguar azul, mas estávamos no Roadburn e não era para aquilo que tínhamos feito milhares de quilómetros. O primeiro concerto que tínhamos planeado ver era o dos noruegueses Virus no Het Patronaat, sala que se estreava ao serviço do festival em substituição do Midi Theatre. E assim o fizemos, depois de termos ouvido os primeiros minutos do concerto dos d.USK/diSEMBOWELMENT no palco principal, só para matar a curiosidade. Os Virus, como seria de esperar, não desiludiram. Liderados pelo genial Carl-Michael Eide e os riffs esquizofrénicos que sacava da sua Gibson Firebird a acompanhar a sua imponente voz, confirmaram ali que são das bandas mais à frente que por aí andam. A seguir, viagem doom-ritualista com os Saturnalia Temple e a infalível combinação Gibson SG + amplificador Orange a estender aquele riff delicioso da “Aion of Drakon” até ao infinito. Foi a introdução perfeita para o que se seguia: os OM no palco principal, o Rickenbacker do Cisneros a soar daquela maneira que sabemos, o Emil a destrocar na bateria e o Rob a ser o shamã mais fixe de sempre. Mantivemo-nos na sala principal para receber os Killing Joke, mas não ficamos até ao fim. O mood não era o certo, o som não estava grande coisa, o Jaz estava desinspirado e o Geordie estava armado em parvo. Depois de uma visita à irrespirável zona de fumadores do 013 seguimos para o Stage01 para a primeira surpresa do festival: os Ancient VVisdom, que além de terem dado um concerto do caraças foram os gajos mais simpáticos de sempre quando os abordamos mais tarde na zona do merch. A seguir, a maior desilusão do festival: os Ulver resolveram não tocar nenhum tema próprio e limitaram-se a fazer desfilar uma série de covers sensaboronas de temas dos anos 60. Deixamo-los ao fim de um par de temas e em boa hora o fizemos, pois os Orchid levaram toda a gente que estava no Het Patronaat aos áureos anos 70, e por algumas dezenas de minutos foi como se estivéssemos em Birmingham a testemunhar um concerto dos inícios dos Black Sabbath. A guitarra era, obviamente, uma SG. Ainda voltamos ao 013 para ver se os Ulver tinham ganho juízo. Não tinham. O primeiro dia terminou com o nosso conhecido Justin K  Broadrick a apresentar pela primeira vez ao vivo o primeiro disco sob o moniker JK Flesh e ainda a levar ao limite os tímpanos de quem por lá ficou com um set do seu projecto White Static Demon.

As bandas que actuaram nas três salas do complexo 013 no segundo dia do festival foram seleccionadas pelos Voivod, cumprindo a tradição de ter o headliner do segundo dia como curador. Mas foi no outro lado da rua, no Patronaat, que demos início a mais um dia de concertos. Primeiro com o Scott Wino e o Conny Ochs munidos de guitarras acústicas a interpretarem os temas do álbum Heavy Kingdom e, de seguida, para um dos concertos que pessoalmente mais aguardava : os Hexvessel com a Stratocaster do Matt e as hipnóticas melodias folk de cariz ocultista do belíssimo álbum de estreia. Entramos de novo no 013 a tempo dos Witch, com o J Mascis a segurar duas baquetas em vez da Jazzmaster do costume, mas com o Rickenbacker, a SG e a outra guitarra de que não consegui perceber o modelo a não deixarem os créditos por mãos alheias. Mantivemo-nos no mesmo local a marcar lugar para o primeiro de dois concertos dos gigantes Yob, que nesse dia apresentaram o Unreal Never Lived na íntegra. E, escusado será dizer que partiram tudo, o Mike com a sua guitarra Monson e o Aaron com o seu baixo da Electrical Guitar Company. Não quisemos sair mais cedo do concerto de Yob, o que fez com que não conseguíssemos lugar na Green Room para o concerto de Black Breath. Tentamos também ver os AUN no Stage01, mas por alguma razão o som estava tão baixo que praticamente só se ouviam os Voivod a tocar ali ao lado no Main Stage. Depois desses dois pequenos percalços, voltamos à Green Room com antecedência suficiente para conseguirmos um bom lugar para o concerto dos Dopethrone. O guitarrista/vocalista contou que a companhia aérea pela qual tinha voado desde o Canadá perdera a sua guitarra e que a guitarra que empunhava – uma Gibson Marauder – tinha sido gentilmente emprestada pelos Huata. Soava bem. Acabamos a noite de volta ao Het Patronaat para vermos os Doom, lenda viva do crust. Houve mosh e crowdsurf, palavras de ordem e muitos riffs.

O terceiro dia começou com um pouco do concerto dos 40 Watt Sun, antes de seguirmos para a experiência bizarra que é ver os misteriosos Dark Buddha Rising a apresentar ao vivo a sua mistura única de estilos. O guitarrista, que também faz uma perninha nos Hexvessel, utiliza uma Les Paul, mas isso nem interessa. Os Dark Buddha Rising metem medo. O concerto dos Pelican no Main Stage envolvia SGs, Telecasters e muito headbanging mas abandonamo-los passados poucos temas para apanharmos os The Wounded Kings na Green Room. A prestação da vocalista desiludiu tanto que nem me lembro dos instrumentos que tocavam. Fica para uma próxima. Seguia-se um dos momentos mais esperados do festival: a primeira actuação dos The Obsessed desde há uma data de anos. E foi tudo o que se podia querer, durante aquela hora e dez minutos de riffs intemporais a saírem da SG do Wino. Tínhamos planeado ver um pouco dos Necro Deathmort mas acabamos por ficar a guardar lugar para os cabeças de cartaz do festival: os gigantescos Sleep. De novo o Rickenbacker do Cisneros ligado a todos os Ampeg do mundo, a Les Paul do Pike a verter aqueles riffs para dois Hiwatt e um Sunn, e um concerto absolutamente incrível – daqueles que ficam para sempre na memória. E só num festival como o Roadburn se sai de um concerto de duas horas dos Sleep directamente para o primeiro concerto dos Bongripper em terras europeias. Lembro-me vagamente de um dos guitarristas ter uma Les Paul branca nas mãos, mas lembro-me melhor de sair dali a pensar que ia necessitar de um colar cervical depois daquele concerto. Perdoem-me o francês, mas que jarda do caralho.

O último dia do festival (o tradicional Afterburner) começou calmo mas em grande, com uma viagem pelo mundo dos The Mount Fuji Doomjazz Corporation. Depois de visitas de médico aos concertos dos Internal Void e dos Urfaust, marcamos posição em frente ao Main Stage para enfrentarmos de novo os Bongripper, desta vez a apresentarem o seu Satan Worship Doom na íntegra. Mesmo faltando o efeito surpresa da noite anterior, o pescoço voltou a não achar piada. A seguir, nova dose de Yob – desta vez com o seminal Catharsis e mais um par de temas no tempo que sobrou. O festival estava a chegar ao fim quando os Coroner entraram em palco. Por norma não sou grande apreciador de demonstrações de técnica, mas aquele guitarrista e a sua Lag Arkane são uma das excepções à regra. Grandes riffs e grandes solos para rever em Vagos. Os últimos cartuchos foram queimados pelos Black Cobra com mais uma grande dose de riffões a saírem de uma Les Paul, mas o cansaço já nem permitiu ver todo o concerto. Fica para o ano.

(Fotos pela Marta Cardoso)

Até para a semana:

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