Below The Radar:Outsider Music From The UK

Below The Radar:Outsider Music From The UK
Sexta 1 Dezembro 2006
Casa da Música.

Dia 1 – Alexander Tucker + Blood Stereo + Volcano The Bear

Esta iniciativa co-organizada pela revista Wire serve para promover a revista mas também para levar consigo alguns nomes da dita cultura underground inglesa, seis nomes que carregam o mesmo espírito transgressor da publicação e deixam ainda um travo provocador de onde poderão habitar os limites do que é musica, arte musical, ruído ou outra coisa qualquer. Eu chamo-lhe experiencias pela forma como nos atordoam os sentidos…
A sala 2 da Casa da Música esteve bem composta, um ambiente com algumas caras conhecidas e um DJ que nos intervalos dos concertos não nos deu descanso, continuando a estimular e a testar as nossas capacidades.
O primeiro a passar pelo palco foi Alexander Tucker, sentou-se e cedo começou a arquitectar aquele que seria o concerto da noite. Usando vários pedais, guitarras em tonalidades graves, passagens acústicas, vozes quase xamânicas, tudo em função de um colosso mastodôntico, drones que quebram tudo e com uma espiritualidade muito própria. Tucker praticamente não olhou para o público, poucas palavras, mas contorceu-se e quase que apetecia começar a mover o corpo ao sabor de um ritual desconhecido. Cada som era gravado e prolongado em repetição, enquanto o seguinte seguia a mesma fórmula, camada após camada, até passados largos minutos já termos uma espécie de sinfonia muito pouco clássica. Tucker a caminho da canonização (o seu lado mais negro que me perdoe).
O que veio a seguir deixou muita gente a olhar à sua volta para ter a certeza que estavam mais humanos a assistir ao concerto, por acaso estavam menos mas prontos para receber o duo Blood Stereo, composto por Dylan Nyoukis e Karen Constance, ambos pareciam ter sido retirados de uma qualquer festa electro em Marte – no decorrer do concerto haveríamos de ter dúvidas se eles não eram mesmo extraterrestres. Ambos chegaram-se a uma mesa onde os esperava uma panóplia de circuitos, leitores de k7 prontos a serem manipulados e outros aparelhos a pedirem para abraçar um noise branco, um
minimalismo que não deixou o silencio respirar. Mas a força motora deste colectivo é Dylan Nyoukis, gutural e visceral, o músico serve-se do seu corpo e faz dele um instrumento potenciando os seus limites, ruídos, gritos, guinchos, monstros, insectos, tudo o que quisermos imaginar a verdade é que as mantras e os drones continuaram mas foram regurgitados da boca de uma besta. Uma lobotomia musical.
Quem pedisse um encore neste festival era capaz de ser violentado e como tal o publico foi aproveitando as paragens para ir ver o material que estava à venda, ou simplesmente apanhar ar.
Para terminar a noite em desvario completo entraram em palco os Volcano The Bear, três indivíduos com ar alucinado de quem saíra, naquela noite, do hospital psiquiátrico. Multi-instrumentistas, passaram pelo piano, bateria, clarinete, máquinas ruidosas e pouco amigáveis, tape manipulation, uma guitarra modificada que tocada com uma arco de violino provocava um
som desconcertante em várias tonalidades etc… Os Volcano the Bear são únicos e também a sua musica nunca segue um padrão por muito tempo, tanto se cospe a baforada free-jazz de John Zorn, como se pede uns ácidos emprestados aos Acid Mothers Temple, acho que até houve momentos que me senti a deambular num cabaré. Alguém arrisca um mestrado em melodia e estrutura? Acho melhor não, porque músicos novos como estes com o triplo da loucura de um Tom Waits só podem estar prestes a fazer algo de muito…

Below The Radar:Outsider Music From The UK
Sábado 2 Dezembro 2006
Casa da Música.

Dia 2 – Bohman Brothers + Aufgehoben + Spring Heel Jack

Chegados ao segundo e ultimo dia, fez-se notar a menor afluência de publico – talvez porque as propostas confinadas a este dia fossem um pouco mais difíceis de digerir do que as de sexta-feira.
Os primeiros a pisar o palco foram os Bohman Brothers, dois indivíduos com ar caseiro que se aproximaram de uma mesa a precisar urgentemente de arrumação. Copos com água, molas, ferros, chave de fendas, pás, vassouras, arcos de violino, metais, electricidade, máquinas de barbear… tudo servia para fazer sons, quais cientistas loucos, estes sorriam enquanto testavam a “musicalidade” dos objectos. Houve tempo para dois exercícios vocalizados, duas composições baseadas na leitura de textos e uma outra que aparentemente seria uma paródia aos “cânticos religiosos” portugueses. Paródia é um
termo justo para o que estes improvisadores fazem, foram vários os momentos cómicos que animaram a sala. Muitos dos instrumentos utilizados são construídos pelo próprio duo ou simplesmente servem-se do lixo comum que todos os dias desperdiçamos. O que assistimos não é música, mas é arte, com boa dose de surrealismo e quem sabe um marco para o género lixo minimalista.
Depois das perversidades barulhentas do DJ de serviço surgiram em cena o colectivo Aufgehoben e o que viria a seguir tão cedo não se esquece – Noise em proporções gigantescas, imaginem dois bateristas de Free-Jazz russo em andamento
desenfreado, a isto juntem a violência ruidosa de um Merzbow e ainda temos espaço para uma guitarra bem amplificada e destorcida. Músicas? Nenhumas. Descargas? Algumas. A cada ordem do senhor dos circuitos seguia-se uma onda de decibéis capaz de nos debandar para outra dimensão. Atrás do colectivo uma tela enorme alienava a assistência com vídeos disformes e quem sabe se não seria a RTP Marte a transmitir em directo. Sons graves e abstractos que pareciam autenticas explosões, Peter Brotzmann em versão robot, ambientes desumanos, metálicos e digitais. O concerto teve os seus momentos, mas o Noise apesar de poderoso acabou por se tornar monótono e previsível (não vamos referir que um colaborador da Wire pertence ao colectivo). Arrrgghh!
Ultima banda Spring Heel Jack, duo composto por John Coxon e Ashley Wales, a estes juntaram-se outros músicos para dar inicio a um concerto com pormenores tortuosos e a escorrer apontamentos técnicos – Jazz, improviso livre, Noise. Neste tipo
de concertos é preciso saber-se ler nas entrelinhas e houve momentos bem interessantes. Saxofone, ,bateria, guitarra, contra-baixo, teclas e outras maquinarias lutavam entre si em ambiente experimental – nem sempre os embates soaram estimulantes mas foi uma boa aposta para baralhar e findar a iniciativa da Wire.