O título é chamativo, não?
Já há uns bons tempos atrás, um amigo ofereceu-me o livro “Nova Teoria do Sacrifício” onde o autor, José Teixeira Rego, expõe uma teoria para o mito da Queda e que pretende explicar a origem do sacrifício animal ritualizado.

Enquanto vegetariano, e entusiasta de Mi
tologia e Antropologia, li com bastante interesse este pequeno mas fascinante livro.
Recorrendo a um estudo de Religião Comparada e análise simbólica, dá-nos uma visão alternativa muito curiosa e sobre a qual vale a pena reflectir.
Diz-nos Agostinho da Silva, aluno de Teixeira Rego no seu “A Religião Grega” de 1930:

É possível que a princípio o sacrifício simbolizasse a queda por um alimento animal, a expiação da morte da primeira rês; por qualquer circunstância, o homem, primitivamente frugívoro, teria sido obrigado a alimentar-se com a carne de animais, até aí sagrados para ele; abatera o primeiro e logo sentira todo o horror do seu crime: matara um companheiro, um amigo, e o seu primeiro movimento foi de fuga; depois, para que os deuses lhe perdoassem, fazia-os tomar parte no festim. O rito estranho das Bufónias, antiquíssimo, reproduzia com pormenorização a cena primitiva: havia a fuga do sacrificador, a acusação de todos os que tinham tomado parte na cerimónia; finalmente, a condenação dos instrumentos que tinham servido para cometer o crime

Quanto ao primitivo vegetarianismo, acrescenta Teixeira Rego em “Nova Teoria do Sacrifício” de 1918:

A Pré-História dá-nos o homem caçador, pescador, ao passo que os antropóides são frugívoros, e, factos notáveis, o homem conserva o aparelho digestivo dum frugívoro, nas suas tradições refere-se a um passado de frugívoro, tem uma repugnância instintiva pela carne crua, e, finalmente, grande parte das suas doenças são devidas às toxinas dos alimentos animais. Ainda hoje, apesar das inevitáveis modificações que longos séculos de omnivorismo produziram, existe a possibilidade no homem duma alimentação exclusivmente frugívora, tantos e tantos séculos foram frugívoros os nossos antepassados antropóides!

Confesso que não estou a par de estudos modernos sobre estas questões, mas parece-me muito verosímil este vegetarianismo primitivo.
Já vi muitos símios com dietas omnívoras mas a semelhança entre espécies não valida ou exclui nenhuma teoria… é possível que o antropóide (termo utilizado pelo autor) da altura convivesse até com outros símios omnívoros ou até mesmo carnívoros – Teixeira Rego refere um estudo realizado, em que símios de dieta vegetariana foram expostos a alimentação carnívora durante um longo período de tempo; um dos resultados mais visíveis foi a queda da pelagem dos mesmos o que, para o autor, surge como uma possível explicação para a queda da nossa própria pelagem.
Sendo esta teoria válida, pergunto: o que aconteceu? O que mudou afinal connosco para mudarmos de dieta?
O horror, o tabú adivinhado de matar um animal para o comer foi ritualizado e, com o tempo, suponho eu, esta dieta foi “normalizada” pelo hábito e pela profanação do ritual, tornando-o mecânico.
Havia um homem [o Iniciado Pitágoras], nativo de Samos, que fugira de Samos e dos senhores da ilha por detestar a tirania, preferindo viver voluntariamente no exílio. Com a sua mente espiritual aproximou-se dos deuses, embora muito distantes nas regiões do céu, e percebeu com os olhos do intelecto o que a natureza negava aos olhares do homem comum. […] Foi o primeiro a denunciar o costume de servir carne de animais à mesa, e também o primeiro a pronunciar, com a sua boca sábia, estas palavras: “Abstende-vos, mortais, de contaminar os vossos corpos com alimentos ímpios! Tendes os cereais e as frutas que inclinam os ramos com o seu peso, e os abundantes cachos de uvas nas vinhas, e as verduras saborosas, e nem o leite nem o mel perfumado vos estão vedados. A terra generosa proporciona-vos um sem-fim de fecundos alimentos pacíficos, e oferece-vos banquetes sem necessidade de matança nem de sangue. Só os animais é que saciam a fome com carne, e nem sequer todos. […] Ah, que grande crime é introduzir vísceras nas próprias vísceras, e engordar o corpo insaciável enchendo-o com outro corpo, e que um ser vivo viva da morte doutro ser vivo. […] Mas um primeiro instigador funesto, não sei quem, sentiu inveja da comida dos leões e sepultou no seu ventre ávido alimentos corpóreos, abrindo o caminho para o crime.
(Ovídio, Metamorfoses, livro XV)
Actualmente o padrão é a dieta omnívora, que é até apresentada pela maioria dos médicos como a única possível. Muitas pessoas não questionam a origem da sua comida; consomem-na sem pensar na vaca ou porco que era antes de ser fatiado e embalado.
A verdade é que mesmo para muitos dos que comem carne, a ideia de abater um animal com as próprias mãos é uma ideia macabra…
O vegetarianismo não é de agora, não é um fruto de uma reflexão burguesa sobre o mundo, mas uma questão que aparentemente tem acompanhado a nossa espécie desde sempre. É uma ideia antiga, persistente talvez por ser “original” i.e. da origem.
Não pretendo lançar grande debate sobre o vegetarianismo mas queria mesmo partilhar estas ideias com alguns dos leitores que se interessam por estes assuntos.
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