De Beethoven a Barn Owl, nem tudo é difícil
Not everyone can be an innovating genius.
Quando escrevi sobre Stravinsky, disse que nós, principalmente após o modernismo, damos demasiada importância à inovação. Desde então já deve ter dado para ver que também sofro um pouco desse mal, e este post vai servir para tentar fugir a esse tipo de pensamento. Afinal, até Bach era considerado antiquado no final da sua carreira, e continua a ser um dos grandes mestres da música clássica. Seguindo uma ordem cronológica, aqui ficam alguns compositores de que gosto bastante, cada um com uma linguagem própria (mas fica o aviso, alguns deles têm também obras que podem ser difíceis de ouvir).
A citação desta semana pertence a Sibelius, um dos mais importantes compositores finlandeses, embora não prolífico como Leif Segerstam, que compôs até hoje 253(!!) sinfonias. Cada sinfonia de Sibelius é bastante diferente das restantes, e as que conheço são belíssimas… mas será que os modernistas estavam certos? Sibelius não tinha interesse na maior parte das novas linguagens do século XX, e passou os últimos 30 anos da sua vida sem conseguir terminar nenhuma grande obra. Morreu em 1957, aos 91 anos.
Sergei Rachmaninoff – Prelúdio em Sol Menor
Mesmo durante o século XX continuámos a ter compositores de música clássica que eram também grandes instrumentistas. Um deles foi Sergei Rachmaninoff, pupilo de Tchaikovsky. Nem toda a gente consegue tocar as composições dele (vá lá, isto é impossível), mas acho que algumas delas são bastante “fáceis” de se ouvir.
Nos anos 70 surgiu em França outra corrente musical, que ficou conhecida por espectralismo. Muitos compositores espectralistas dão uma extrema importância aos timbres dos sons, analisando-os através de vários métodos computadorizados e baseando-se nos resultados para criar as suas composições. Alguns cientistas consideram que Ravel, a partir de certa altura, mostrava sintomas de danos no lobo frontal do cérebro, e que poderia estar a perder a sua habilidade de distinguir intervalos tonais numa melodia (uma condição chamada amusia, que faz a música soar monocórdica). Como apenas quatro anos depois o compositor esteve envolvido num acidente de carro que causou realmente danos cerebrais, é difícil de provar que Bolero, de 1928, foi já composta com algumas limitações. Mas todos nós conseguimos ouvir o mesmo tema repetido por conjuntos diferentes de instrumentos, pelo que, de um modo ou de outro, me parece uma composição proto-espectral, na medida em que a melodia simples serve de suporte à variedade tímbrica.
George Gershwin – I Got Rhythm
Qual será a definição de música clássica? É a música motivada pela formação musical do compositor, compositor esse que escreve numa partitura antes de ouvir a música a ser tocada? Se sim, há muito jazz que é música clássica. Gershwin morreu aos 38 anos, mas deixou-nos muita música para orquestras e para piano, para ser tocada em concertos, em musicais, e a acompanhar filmes. Quem gosta de Woody Allen já ouviu certamente a sua música.
Toru Takemitsu – From me flows what you call time
Takemitsu foi o primeiro compositor japonês a ser aclamado mundialmente, e um dos mais cientes dos desenvolvimentos da música ocidental. Tem uma obra bastante vasta, mas acho que o mais interessante será talvez o período em que trata a dissonância de uma forma muito elegante, um pouco à semelhança de Debussy. Após um período antinacionalista, começou a incorporar instrumentos tradicionais japoneses na sua música orquestral (não é o exemplo que dou porque as peças que conheço desse período não são tão melódicas, como é o caso de November Steps).
Einojuhani Rautavaara – Angel of Light
Apesar da sua recusa do atonalismo e da electrónica, Sibelius promoveu activamente a música deste seu conterrâneo. Mesmo quando atonal, a sua música parece expandir-se com uma serenidade que faz com que a aceitemos facilmente. Mais tarde começou a incorporar pequenos loops de field recordings, como em Cantus Arcticus. Marshall McLuhan dizia que “o meio é a mensagem”, mas a música de Rautavaara incorporou meios novos para transmitir linguagens antigas, e meios antigos para transmitir linguagens novas (Angel of Light, que é a sua sétima sinfonia, prolonga-se de uma forma que me faz lembrar a música dos minimalistas europeus).
Esta é mais uma curiosidade do que outra coisa. Fiquei a conhecer a música dele por causa do seu trabalho com o Mike Patton – entre outras colaborações, produziu o primeiro álbum dos Mr. Bungle, tocou no Pranzo Oltranzista de Patton, e convidou o vocalista a integrar o projecto Moonchild juntamente com Trevor Dunn e Joey Baron. Depois disso ouvi mais algumas coisas, mas tudo música experimental ou jazz. Encontrei esta recentemente, pelo que decidi partilhá-la.
Esta rubrica cruza a música clássica com a popular; estes vídeos também. Espero que gostem!
Na próxima semana: De Steve Reich a Godspeed You! Black Emperor