Everything is Bigger in Texas VI – Man being eaten by alligator
Cortar, editar, limpar espácio- e frequencialmente, regenerar, equalizar, de-ess’ar, colar, sincronizar, misturar… Algumas das milhares de acções que faço diariamente, nesta azáfama a que chamamos sound design. Ia escrever “às vezes perguntam-me”, mas isso não seria verdade, porque todos os meus amigos acham que este tipo de trabalho é “a cena mais fixe do Mundo” ou que “isso nem deve parecer que estás a ‘trabalhar'” – então às vezes apanho-me a mim mesmo a pensar, e a quase perguntar-me, se esse sentimento de “isto é espectacular” irá durar para sempre, se nunca me vou cansar, se nunca me vou fartar e arrepender de ter decorado todos os keyboard shortcuts possíveis no Pro Tools, e se os meus ouvidos não vão chegar ao ponto de estarem tão burned out que já nem vou encontrar prazer em ouvir música, ouvir filmes, e, o mais assustador, escutar sons, por si só.
Para já acho que não.
Mas no entretanto, há que descobrir formas de fugir a uma rotina, que, como qualquer rotina, se pode tornar perigosa, mesmo que esse escape envolva utilizar outras rotinas que permitam manipulação…
Mesmo entre as pessoas que gostam muito de cinema, mesmo que tenham uma queda para a preocupação com o áudio em filmes, é muitas vezes uma surpresa (sinto isso imenso entre os meus amigos mais próximos, que me visitam em dias de trabalho), perceber que praticamente todos os pequenos sons que se ouvem (tirando o diálogo, que, mesmo assim, em produções grandes, é também substituído com ADR – Automatic Dialog Replacement) são adicionados em pos-produção. Desde as portas a bater, ao acender de fósforos, aos passos da personagem principal na terra batida, e agora no cimento, e, hey, terra batida outra vez, a subir os degraus de madeira, a atravessar o porch, a acelerar o passo, hey, agora está ali uma poça de água (água em madeira, que soa diferente de uma poça de água em cimento!), a grande parte desses movimentos/acontecimentos é sonorizada com recurso a bibliotecas comerciais de sound effects, ou gravadas de propósito, num processo a que se chama Foley, e que é das coisas que mais me fascina neste mundo.
Não é raro o estúdio de áudio requerer alguns dos props originais das filmagens de determinado projecto, para os poder manusear e retirar os sons necessários, que não tenham sido captados durante a produção. É normal recebermos caixas com todos os sapatos que foram usados no filme, de forma a podermos calçá-los, par a par, e simular as personagens, recriando, literalmente, os seus passos, dentro de caixas de madeira que separamos consoante o conteúdo: algumas com areia, fina, média, grossa, outras com placas de madeira, outras com cimento, e por aí fora.
Quando o budget e pequeno, ou o efeito desejado não exige assim tanto esforço, recorre-se, então, às bibliotecas de sons. E há um em particular, que já todos ouvimos.
O Wilhelm Scream é um sound effect presente na stock sound library da Warner Bros, e que tem vindo a ser usado persistentemente em imensos filmes, desde 1951. Quer seja de forma a prestar uma “homenagem” a este standard, quer seja por razões de carácter cómico, o grito aparece aqui e ali, repetido, raramente altamente manipulado, sendo praticamente exigido por realizadores como Steven Spielberg, George Lucas, e Quentin Tarantino.
Em 1951, foi produzido um filme chamado Distant Drums, e, numa das cenas, um grupo de soldados atravessa um pântano, quando um deles é apanhado por um crocodilo. Na fase de pós produção, deve ter-se sentido a necessidade de gravar um grito à altura daquele épico momento, e então trouxe-se alguém, que se pensa ser um actor/cantor da época, chamado Sheb Wooley, para interpretar alguns gritos convincentes em estúdio – quem melhor do que aquele que se gabava de ser “espectacular a gritar e a morrer em filmes”? – e assim nasceu um reel com a denominação “Man being eaten by alligator”, com seis takes (sendo o quinto o essencial) do grito que viria a ficar famoso…
Mas já muito antes disso, em 1953, aquele grito em particular era usado já pela terceira vez, num filme chamado The Charge at Feather River, para sonorizar o momento em que uma personagem chamada Private Wilhelm é atingida com uma seta… daí o nome “Wilhelm Scream”.
Depois disso, este sound effect ganhou um estatuto de culto, quando Ben Burtt encontrou a tape original e a utilizou numa cena do Star Wars… momento a partir do qual o seu uso se começou a multiplicar entre a comunidade de sound designers.
Em 2011, a estimativa rondava os 255 filmes (todos os Star Wars, todos os Lord of The Rings, alguns dos Indiana Jones, etc…), programas de televisão e jogos de computador.
Eu, sem querer sequer pôr-me no papel de “sound designer”, porque ainda tenho muito que andar até lá chegar, também o uso quase sempre, num toque final, e geralmente de uma forma distorcida, distante, completamente manipulada, só para dizer que “está lá”… mas so porque ainda não tive oportunidade de o usar descaradamente!