Everything is Bigger in Texas 3 – O amor que te encontra no fim

Sempre que entro no último stretch da Interstate 35 (“I-35” para os amigos), antes das saídas para Austin, e vejo a cidade a aparecer à minha direita, com o Texas State Capitol, o Frost Bank e a torre da Universidade do Texas a darem-me as boas vindas, sinto que estou a chegar a casa. Até hoje não consigo controlar o sorriso desmesurado que surge na minha cara quando seguimos as placas que dizem “Dean Keeton St/Manor Rd”, e quando, logo de seguida, me aparece o DKR Memorial Stadium, casa do fantástico football dos Texas Longhorns, imponente, e faço uma curva à esquerda a entrar na Martin Luther King Jr. Blvd, para depois virar à direita e chegar ao meu humilde quarto, num apartamento partilhado com 5 queridíssimas sorority girls, na Rio Grande St. É um sentimento estranho, sempre foi, e sempre será, se bem que no início era estranho porque sabia que esta não era a minha casa, porque agora sei que é, e porque no futuro saberei sempre que um dia achei que não era e agora acho que é.

Mas hoje fiz esse percurso de olhos intermitentemente abertos. Já há muito tempo que não me sentia tão cansado.

Há duas semanas e um dia, parti daqui, de Austin, Texas, para Houston, com duas amigas. Reunimo-nos em Sugar Land com a irmã de uma delas e com uma amiga comum, e, há exactamente 15 dias, partimos numa viagem de 4500 milhas (aprox. 7300km).

Há sítios no Mundo que parece que já conhecemos, de tantas vezes os vermos replicados por aí, nesse mesmo Mundo. Tornam-se, literalmente, um Mundo dentro de um Mundo, e foi com esse medo que cheguei ao Grand Canyon – com a impressão de que, mal abrisse a porta da van, me fosse deparar com algo que já tinha visto vezes demasiadas para me impressionar, ainda que nunca lá estivesse estado.

Aquela mítica conversa do “sentimo-nos tão pequeninos” confirma-se, mesmo, e, entre uma vontade enorme de berrar a plenos pulmões para testar as diferentes possibilidades de ecos, até à lembrança constante do constante desejo de voar, todo aquele silêncio acabou por me engolir e fazer adormecer, deitado numa rocha que, agora que penso nisso a frio, não seria a minha primeira escolha se o meu heart rate não estivesse disparadíssimo, perturbando a minha sensibilidade para questões relacionadas com a minha própria segurança. Acordei com um forte flapejar, um ruído (mais do que “um som”) de vento, uma rouqidão que me inquietou. Quando consegui abrir os olhos, contra um Sol esplêndido que se tinha posto desde que adormecera (chegamos lá por volta das 4:30 da manhã…), comecei a conseguir discernir os vultos que nos circundavam num voo cada vez mais baixo – abutres. Altura de começar a mexer – o que os fez automaticamente perder o interesse necrófago nos nossos corpos – e seguir viagem, Route 66 fora.

Las Vegas é tudo aquilo que se vê nos filmes, mas não sei se será “um pouco mais”. Acho que é só mesmo aquilo. Depois de uma paragem obrigatória no Hoover Dam, à entrada do Nevada, bastou um primeiro olhar pela downtown da cidade dos casinos (praticamente tudo o que há para ver), para perceber que o exagero não é uma forma de extravagância, mas o senso comum daquilo que é “normal”. Foi praticamente impossível discernir pormenores, uma vez que todos os espectáculos de luz, cor, fogo, água, música, acontecem ao mesmo tempo, e aquilo que se acaba por mais impressionar são os rápidos movimentos das cabeças dos outros “turistas”, como nós, perdidos num movimento contínuo que vê tudo, mas não vê nada. De um voucher de quinze dólares, consegui a proeza (para mim, uma proeza), de perder tudo, e recuperar 10$. Ainda tenho o “Cashout Voucher” perdido num bolso qualquer, uma vez que não tive coragem de o converter em dinheiro.

Depois de uma paragem no Sequoia National Park, com as maiores árvores que já vi em toda a minha vida, chegamos a San Francisco, e apaixonei-me. As steep hills são mesmo steep, de uma forma que me cansou mais quando as transpus de carro do que quando as palmilhei, tal era a emoção de finalmente sentir alguma brisa (que as minhas amigas americanas chamavam de “vento”), e um clima muito mais parecido com o do meu Porto, do que aquele a que já me habituei em Austin. San Francisco é uma cidade linda, acima de tudo, com imensa coisa para ver e fazer. Já não sabia o que era olhar para a água do mar, sentir uma brisa oceânica, ver pescadores e comer bom peixe… Ao mesmo tempo que nos meus olhos explodiam milhares de cores, num festival de fogo de artifício pelo 4 de Julho. Haight Ashbury, Fisherman’s Wharf, Castro, a Golden Gate Bridge… que cidade fácil para me apaixonar.

Na penúltima noite em SF, descobri um restaurante português, e foi com muita emoção que encomendei um Bacalhau à Gomes de Sá, que, provavelmente pela saudade, foi dos melhores que já comi em toda a minha vida. Antes da comida chegar à mesa recebi também uma mensagem da minha mãe, a dizer que a minha sobrinha estava “a caminho”. Escusado será dizer que foi uma noite passada em branco, até às 7 da manhã, quando recebi a chamada de confirmação do nascimento da Sofia. Fui tio na Califórnia, e, pela primeira vez, aquele não me pareceu o melhor sítio para se estar.

Pelo caminho até L.A., senti o ar diferente que se respira no Google Campus e nos headquarters da Apple. Senti também, mais uma vez, a brisa oceânica do Pacífico, que nos acompanhou numa das auto estradas mais incríveis que já tive o prazer de percorrer – a Pacific Coast Highway, uma conjunção de troços curtos e bastante sinuosos, entre escarpas da montanha à esquerda e o Oceano Pacífico, literalmente, à direita. Paragem obrigatória em Malibu, corrida na areia pela primeira vez em 7 meses. Mergulho praticamente vestido no oceano. Senti-me em casa.

Cheguei a Los Angeles já tarde, e fui directo para o saco cama – ainda fiz tempo para vos escrever num iPhone manhoso. Fiquei numa pequena comunidade sénior de mobile homes, para famílias vietnamitas. Raramente me senti tão bem acolhido em toda a minha vida, e, entre banhos de Sriracha, Hoisin Sauce e Pho, fiz de Chinatown – como já tinha feito em San Francisco, e faço sempre que vou a Houston – uma paragem diária obrigatória. Mas a cidade em si deixou-me um sentimento estranho.

Passeando em Sunset Blvd, perdi horas na mítica Amoeba Records (assim como em SF) com aquele agradável feeling de não estar a procurar nada em especial, e, ao mesmo, estar a encontrar tudo. Mas, ainda assim, faltava-me alguma coisa, e nem a sombra das letras nas Hollywood Hills, nem o dia inteiro investido no Getty Museum, me deixavam sentir que L.A. estava à altura do que sempre imaginara. Duas visitas ao Griffith Observatory (uma de noite e outra de dia) ajudaram a ler aquela imensa cidade, que me pareceu grande, e vazia, demais. Parti um pouco desiludido, mas com a certeza absoluta que tenho de voltar em breve, aproveitando, quem sabe, a hospitalidade da Mariana, que comentou o meu último blog post (gentileza que ainda não tive tempo de agradecer, mas, mal tenha, fica já aqui o convite para passares uma temporada em Austin, quando quiseres!), e conseguindo uma visão mais “inside” de uma cidade que sempre me fascinou.

Senti-me um pouco eufórico quando vi a placa na auto estrada, a dizer “Welcome to Texas”. Já tinha saudades.

Paragem obrigatória em Marfa. “Town” composta por meia dúzia de quarteirões, extremamente limpa, e com uma população interessantíssima. Cowboys de idade respeitável, a conviver alegremente com uma comunidade jovem (menos de 30) que faz a cidade mexer e tornar-se um pólo cultural que atrai imensos visitantes, importantes exposições, e concertos de todo o “calibre” de bandas. Uma das coisas que mais gostei? DO facto de não haver ruído de tráfego. Só se ouvem os pássaros, e pessoas a rir.

Ficamos num trailer, num sítio espectacular chamado El Cósmico, uma espécie de “parque de campismo” com uma muito saudável dose de hipsterismo. Depois de duas semanas na estrada, não podíamos ter encontrado um sítio melhor para relaxar o corpo… e a cabeça também, porque, ao mesmo tempo que começavam a chegar as lembranças de todo o trabalho que tinha que recomeçar ao chegar a “casa”, a verdade tem de ser dita, e 15 dias com quatro raparigas dentro de uma van… Dá trabalho. 🙂

Fiquei com uma vontade incrível de ficar por Marfa. A densidade de atracções artísticas e exposições e concertos e simples “hang outs” com malta nova e cheia de ideias, era extremamente superior ao comum. E só lá estive dois dias, mas decidi que aquele seria, sem dúvida, o melhor sítio para escrever a dissertação da minha tese, cuja deadline é dia 31 de Julho, e ainda mal comecei… Mas o dinheiro não estica, ainda que a vida aqui não seja cara.

Voltamos a Houston e foi com estranhíssimo fazer a procissão de “deixar as pessoas em casa”. Por muitas gargalhadas e tempo que passamos juntos, misturadas com alguns pequenos dramas – que seriam de esperar – cria-se sempre qualquer coisa de grande quando se partilha uma aventura deste calibre… ainda por cima na Califórnia. Mas encontrar-nos-íamos no dia seguinte…

O encerramento oficial da nossa road trip foi no Sábado, dia 14 de Julho, numa sala de espectáculos chamada Fitzgerald’s, em Houston. Aconteceu algo que nunca imaginei vir a ser possível na minha vida – ver o Daniel Johnston ao vivo. A presença de um dos mais amados, e, acho eu, ainda mais incompreendidos songwriters que alguma vez nos deram o prazer de partilhar as suas criações, encheu a sala de uma forma inexplicável, ainda que toda a história que o acompanha, patente nos sintomas óbvios da doença, o tenha preso dentro de um corpo que não consegue controlar muito bem, agarrado a uma mente que não parece conhecer o significado de “controlo”. O génio esteve todo lá. E, no meio de muita emoções, lágrimas e expressões de incredulidade, que se multiplicavam pela audiência, houve um momento especial em que toda a gente sentiu a closure necessária para o que quer que os estivesse a preocupar nesse momento – desde corações partidos a corações a florescer, até pensamentos prolongados acerca daquilo que os olhos viram e a alma retirou de uma road trip pelos Estados Unidos, passando por saudades de algo que se calhar nunca se teve -, o momento em que a pessoa mais pura na sala nos disse que o verdadeiro amor nos encontrará no fim.

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Em jeito de “até para a semana!”, queria deixar um grande pedido de desculpas a todos, em especial ao André, pelo atraso no meu post. Regressei a Austin no domingo à noite, e fui açambarcado por tudo aquilo que deixara pendente – eu, a pessoa que menos gosta de deixar coisas pendentes no Mundo. Mas muitas das coisas que me desconcertaram são boas notícias, que partilharei em breve – para além das outras que são só trabalho -, mas, agradecendo a todos vós por me continuarem a ler, peço também desculpa por ainda não me ter apresentado decentemente. Para a semana falamos! 🙂