Everything is Bigger in Texas IX – Farewell

Hoje acordei com uma sensação mesmo estranha: já passaram dois meses desde que comecei a escrever para o blog. Wow. Dois meses em que muita coisa aconteceu – decerto bem mais do que aquilo que estava à espera -, e em que muita coisa também não aconteceu, se bem que podia muito bem ter acontecido.

Estes dois meses marcaram o meu décimo e décimo primeiro mês a viver em Austin, Texas, e foram marcados por uma interessante confluência de acontecimentos, que aqui e ali fui partilhando convosco…

Comecei por sair do Texas em direcção à Califórnia, passando pelo Grand Canyon – que me deixou overwhelmed; a Route 66 toda – que me fez sentir muito sozinho; Las Vegas – que me fez sentir demasiado acompanhado; o Sequoia National Park – que me mostrou quão novo e pequenino, literalmente, ainda sou; San Francisco – que me fez sentir em casa, e apaixonado; Los Angeles – que promoveu a minha reunião com o Oceano; e Marfa – que me fez sentir um cowboy; numa road trip que, a ter-me ensinado alguma coisa, para além da inundação de imagem inesquecíveis, do contacto com diferentes culturas – literalmente – dentro dos próprios Estados Unidos (fiquei com uma nova perspectiva do nome “Estados Unidos“, sem dúvida nenhuma), e da demonstração a mim mesmo da minha própria capacidade e limites ao estar na estrada durante duas semanas com quatro raparigas (!), foi a percepção de que, realmente, “tudo é maior” não propriamente no Texas, mas onde quer que tenhamos o nosso coração – e o meu já esta praticamente enraízado no Lone Star State… Mas é mesmo verdade. O mundo é espectacular, continuo a sentir que não há sentimento mais intenso que apercebermo-nos disso, mas “casa” é “casa”, e, se bem que pensar que o Texas é a minha nova ainda me deixa meio reticente, percebi que não tenho que substituir uma pela outra, e agora posso ter duas – uma de cada lado do Oceano.

Quando regressei, trazia o coração cheio e encontrei com quem o partilhar, numa noite que ficou marcada pelo concerto do Daniel Johnston, em Houston. Nunca a expressão “True Love Will Find You in the End” assentou tão bem.

As duas semanas que se seguiram foram de loucos, e, enquanto me adaptava aos primeiros dias de uma nova rotina num “emprego” estável, finalmente, com um horário das 9 às 6, passei 15 dias sem dormir, a escrever o relatório final do meu projecto de Mestrado, que enviei para Portugal no dia 31 de Julho, mesmo na deadline… cometi o erro de começar a beber café (que tinha evitado nos últimos 8 anos, desde a altura em que era fixe andar no secundário e beber um expresso no intervalo das aulas…), e senti o meu bem estar físico deteriorar-se do dia para a noite, literalmente. Felizmente, finda a corrida, consegui parar just like that.

Nesses últimos dias de Julho também mudei de casa, numa operação de mudanças que foi bem mais complicada do que estava à espera – e agora, praticamente um mês depois, ainda temos caixotes na sala de estar… Nunca pensei que se acumulasse tanta tralha tão facilmente, e a parte chata é que é tudo tralha que, não deixando de ser “tralha”, tem um peso emocional indescritível, e da qual não nos queremos ver livres de forma alguma… levando-me a aperceber que voltar a casa-casa vai ser mesmo difícil, quando tiver de ser.

Entretanto arranjei uma guitarra através do Craigslist. Uma Squier Stratocaster, completamente desmembrada e a precisar de muito TLC – a um preço, ainda assim, imbatível. Passei algumas noites a pesquisar até encontrar as peças que precisava (ainda por cima era uma Bullet CY, cujas peças não se vendem separadamente – provavelmente porque a guitarra em si é tão barata, e valerá quase tanto como o conjunto das peças, numa holística tentativa de relembrar a mim mesmo o prazer que é meter as mãos à obra e retirar satisfação do conceito de DIY, como sempre fiz… Infelizmente, algumas peças vindas da China ainda não chegaram(!), e o projecto vai sendo abandonado à medida que o trabalho aperta, mas de vez em quando ainda adormeço com ela ao meu colo.

Agosto chegou e trouxe-me uma nova perspectiva sobre a minha estadia, ao mesmo tempo que a burocracia me começou a demonstrar que afinal o caminho que parecia seguro – depois de toda a insegurança -, estava muito longe, muito, muito longe, de estar assegurado. Custou-me mesmo muito aperceber-me que o investimento – social, económico, mental, etc… – de quase um ano da minha vida, encontrava agora um entrave burocrático, que me impedia de viver o sonho que tinha seguido e pensado alcançar. Ficou tudo ainda mais difícil.

Ontem lavava a loiça e pensava em tudo isto, ao mesmo tempo que me lembrava de que hoje seria a última semana de Agosto. Tinha o The Seer a rodar no iPod, ligado às colunas estrategicamente posicionadas entre os vasos de plantas na janela da cozinha (uma daquelas cozinhas que nos dão vontade de usar a expressão “mesmo à americano!”) – ainda estou super entusiasmado com o fim de semana que se aproxima, para ver Swans duas vezes seguidas! -, mas senti a necessidade de mudar. Escolhi o Panopticon, dos Isis. Sempre que ouço Isis, penso no André e na Amplificasom (e naquela noite no Teatro Sá da Bandeira, e do vocalista dos Circle também!).

E agora seria muito fácil começar a enumerar todos os momentos excepcionais que a Amplificasom me proporcionou – ou se calhar não seria tão fácil assim, tendo em conta que são tantos! -, mas não o vou fazer, porque todos nós partilhamos essas ideias, essas recordações, esses sentimentos – se “nostalgicamente”, também com uma sensação de continuidade -, mas não posso deixar de me lembrar da noite em que fui a Vigo ver os Sunn O))), numa boleia com o David “Amebix”, arranjada através da antiga Caixa do Paleio no “blogspot”. Foi nessa noite que conheci o André e algum do pessoal que seguia atentamente através do blog, que lia religiosamente, todos os dias. Associar caras às pessoas foi mesmo muito bom, e do concerto, nem vale a pena começar…

Foi esse o primeiro momento em que me apercebi do conceito família da Amplificasom. Foi aí que quis começar a fazer parte, e que comecei a tentar estar presente em tudo o que “a família” promovesse. Foi assim que comecei a ter ferramentas para manter uma sanidade musical que se ia denegrindo, curiosamente, por estar a estudar Música. Foi assim que conheci, ou prestei mais atenção, às bandas que agora ouço todos os dias, no outro lado do Mundo (por exemplo, Lightning Bolt, que não conhecia antes de ouvir falar no blog, e que agora estou super entusiasmado para ver, quarta feira, aqui ao fundo da rua!). Foi assim que comecei a perceber que o espaço que o Som tem na minha vida sou eu que o decido, e, mais importante, sou eu que o posiciono. A criação de um ouvido crítico é um processo que não se aprende na escola, e, ao mesmo tempo, é um processo necessário para que não nos tornemos todos umas portas (prefiro pensar que a expressão “surdo como uma porta” tem em conta que as portas também vibram com compressões e rarefacções do ar), e é essencialmente isso que a Amplificasom representa para mim. Isso, e mais.

Porque a vida não é só ouvir (apesar de, volto a insistir, um dia alguém me ter feito pensar no facto de que “os ouvidos não têm pálpebras”, e que, por conseguinte, estamos sempre a ouvir), mas é também ter contacto, conhecer, e moldar as fontes sonoras que nos moldam. (Para o bem ou para o mal, pedir um abraço à Jarboe no fim do concerto do Passos Manuel – que eu sei que não foi a Amplificasom que organizou, apesar dos esforços, mas nessa altura foi o André que me sossegou quando, de repente, foi “cancelado” – deve ter tido algum impacto na senhora – que em troca me descreveu a incrível colecção de fotos a preto e branco da era Greed/Holy Money, dos Swans, que encontrara “há dias”… – ainda que, obviamente, o maior impacto tenha sido em mim. Percebem o que estou a tentar dizer? Desculpem, não sou muito bom com palavras.)

Em jeito de “até breve”, quero pedir desculpa se os meus posts não foram muito interessantes. Sempre gostei imenso de escrever, e, portanto, sempre escrevi imenso… Mas isso foi quando tinha tempo, e falava Português diariamente. Hoje vejo-me à rasca quando ligo para casa, às vezes, a tentar traduzir o que quero dizer de Inglês para Português, e, ao “mesmo tempo”, não tenho “tempo” para fazer nada… incluindo dedicar-me mais a escrever-vos. Fiquei com a sensação de que devia ter escrito mais sobre a minha “área”, o sound design para cinema… Mas, ao mesmo tempo, sinto-me demasiado “pequenino” para ter alguma coisa de interessante para dizer. Talvez com o tempo.

Estou numa fase espectacular da minha vida, ainda que meia complicada, mas não me esqueço de me sentir abençoado todos os dias, e espero um dia, quando a minha vida estabilizar, ter a oportunidade de voltar a estas páginas e poder ter mais certezas para partilhar, e menos saudades de casa para me queixar, e mais concertos para vos contar, e menos cansaço no corpo e na cabeça para poder fazer mais sentido. Entretanto, mais uma vez, se em Julho estava na altura de “shift gears“, hoje estou outra vez, e ainda mais. E acho que vou estar constantemente. Até voltar, ou até ficar.

Como de costume, e para sempre, a Amplificasom a fazer parte da minha vida.

Um abraço forte, e vamos comer uma francesinha quando eu voltar,

Rui Silva