Heavyweight Dub Champion


O Scientist chegou até mim por uma recomendação. Após ter entrado em contacto com o trabalho do deus King Tubby, o pai do Dub e ainda hoje representante do melhor que há no estilo, fiquei com vontade de conhecer mais. Perguntei e responderam-me. Consegui logo uma boa quantidade de edições deste Scientist, discípulo directo do King Tubby, tendo trabalhado com o próprio no seu estúdio em Kingston.

Assim cheguei até ao “Heavyweight Dub Champion”, o disco que mais me impressionou.
Curiosamente, o Dub foi provavelmente a corrente musical que mais importância teve para mim recentemente. Não pela minha identificação com qualquer ideologia ou conceito “rastafari” e afins, mas sim pela forma como aborda toda a construção musical. Ao falarmos de grandes figuras do Dub, raramente nos referimos aos executantes ou músicos, mas sim aos produtores e técnicos. É uma rotação crucial no ênfase dado ao outro lado da mesa de mistura, salientando a importância e grau de responsabilidade que um produtor tem no produto final.
O Dub é acima de tudo um produto físico e temporal. É um jogo de frequências que reagem com o exterior, através dos graves pulsantes que agem como condutores eléctricos para o nosso corpo. É também um jogo de tempo, onde o passado persiste em ecos elípticos que assombram o presente, desconstruindo-o e remodelando-o.

E “Heavyweight Dub Champion” é a prova do melhor que se fez neste campo.

É só sentir o peso daquele baixo cardíaco que faz tremer tudo em seu redor, mas que nem por isso deixa de ser um óptimo indutor de Groove. A música torna-se corporal e é impossível ficar impávido e sereno sem ser guiado pelas ondas gigantescas e ainda assim quentes e “gordas” providenciadas pelas 4 cordas, que se transformam no principal instrumento deste disco, ainda que seja apenas um mero condutor de toda a viagem.

O uso dos efeitos, em especial do delay, criam uma camada textural que acentua o que tem a acentuar e funciona como uma espécie de persistência da memória sonora, mas com um exagero quase “cartoonesco”. Entramos numa dimensão onde o tempo se enrola sobre si mesmo, onde uma batida ou uma frase deixar de ter um lugar fixo para vaguear sobre o que vem imediatamente a seguir. Psicadelismo ou delírio, portanto. Acima de tudo é um factor de captação das atenções. O delay cria uma camada difusa que envolve o ouvinte e não o larga.

No entanto, qual a grande diferença deste álbum para os outros? O que o destaca de toda uma enxurrada de Dub que surgiu na mesma época? Para mim é a capacidade de ter músicas (e repito, músicas!) mesmo muito boas. A fórmula Dub está bem evidente, mas cada faixa tem a sua identidade, sem se repetir demasiado, que na minha opinião é um dos grandes problemas deste género musical. A voz, melosa e distante de Barrington Levy consegue-nos prender pelas suas palavras e tonalidade carregadas de delay, reverb e feedback, transportando-nos imediatamente para um qualquer bairro de lata de Kingston, em situações de “faca e alguidar” a meio de uma festa de rua. A sério, baixem as luzes, encostem-se a algo confortável e ouçam isto.

Recomendação: tentem ver se a vossa aparelhagem aguenta com estes graves. Caso contrário, ouçam isto em algo com um subwoofer ou assim.

(Texto e ilustração assinadas, confirmadas, validadas e assumidas por André Coelho)