"Hi Jaz, this is Ricardo from Loud!"
Para estrear esta colaboração com a Amplificasom, nada como começar com uma dose dupla, e logo com uma das minhas bandas preferidas. Entrevistar Jaz Coleman é sempre uma experiência única, e gostei agora de reler estes dois textos seguidos, com os seis (anos) graus de separação que tanto os afastam como aproximam.
Espero que gostem tanto quanto eu.
KILLING JOKE
Apocalypse Now
in Loud # 134, Maio de 2012
De uma simpatia e gargalhada desarmante, Jaz Coleman é o verdadeiro homem renascentista. Além de vocalista e fundador dos seminais Killing Joke, é maestro, compositor clássico, arquitecto e sacerdote. Sendo um tema que lhes é caro – recorde-se que três quartos da banda foram para a Islândia em 1982, afirmando lá estar a salvo do eminente apocalipse – seria apenas lógico que, neste ano, nos chegasse um disco como «MMXII». Mas como Coleman revelou à Loud!, este é mais um novo princípio que propriamente o fim. Já 2012 é, definitivamente, o ano dos Killing Joke.
Diz-nos, Jaz: o mundo vai acabar em 2012?
É o final do tempo tal como o conhecemos, mas não o fim do mundo. Já reparaste como tudo é mais rápido hoje em dia? Não é só o nosso cérebro que vai encolhendo à medida que envelhecemos, é também o tempo que está mais rápido. Físicos e matemáticos referem-se à Singularidade e há uma grande disputa sobre em que altura ocorrerá o ponto de singularidade. Ray Kurzweil diz que será por volta de 2030 mas todas as tradições ancestrais e o calendário maia e egípcio referem-se a este ano. Penso que o que mudará serão as nossas noções, como a noção da morte, por exemplo. O entendimento da mecânica quântica do que é a consciência e do que é a morte. Não é possível lembrarmo-nos de como é estar morto, porque nunca estivemos mortos, só nos conseguimos lembrar das linhas de tempo em que estivemos vivos. E agora vamos esticar-nos para a eternidade, através da alma e da consciência. A morte vai morrer e o tempo vai derreter, por isso esta é uma altura muito excitante para se estar vivo, não concordas?
Visto por esse prisma, é impossível discordar.
O que temos de nos lembrar é que, seja o que for que sonhes, isso vai-se manifestar. Por isso temos de purificar os nossos sonhos. Sonhem com rios e oceanos limpos e cheios de peixe, sonhem com a reflorestação em massa, sonhem com a reconstituição de todos os ecossistemas na biosfera. Sonhem! Sonhem comigo!
Mas terás também de concordar que, hoje em dia, não é fácil sonhar.
Tens toda a razão. Na Grã-Bretanha, os sem-abrigo aumentaram 25% em apenas um ano. Um ano! Como se pode falar em ir a concertos quando há pessoas que nem se conseguem alimentar aqui na Grã-Bretanha e na Europa? O sistema capitalista de produtividade e crescimento está acabado, temos de pensar mais em termos de bem-estar humano que em crescimento, temos de incrementar a produção de alimentos porque as pessoas, depois de já não terem dinheiro, vão passar fome. E depois o que teremos? Uma elite que se pode alimentar e as massas a passar fome. Isto é inaceitável, e é por isso que a Revolução vai acontecer, a revolução do coração, da compaixão, do não pensar em “eu” mas em “nós”. Usemos os parques para cultivar alimentos, temos de ter hortas colectivas e juntarmo-nos. Falando por mim, vou abdicar de tudo. Tenho dois pares de calças, uma dúzia de t-shirts, dois casacos e dois pares de botas. Não quero mais nada. Odeio o Karl Marx, pois ele é um inimigo do espírito humano, mas acredito no colectivismo humano.
Mas o que acabas de descrever, não poderá ser considerado como Comunismo?
Sim, é o meu segredo mais sujo [risos]. Sempre fui comunista, mas não marxista, porque acredito no espírito e na alma humana, não no materialismo. Marx reduzia tudo ao materialismo e falava na rejeição da metafísica, por isso tem de ser meu inimigo. Sou um colectivista ultra-verde e acredito na Liberdade absoluta [risos].
Neste novo disco consegue-se sentir perfeitamente essa dicotomia, entre a era negra em que vivemos e um sentido de esperança num futuro melhor.
Concordo contigo mas nada nos Killing Joke é intencional. Sabíamos que 2012 representaria o fim de um ciclo mas, aparte disso, nunca planeamos nada. Não compomos música, a música compõem-se a si própria. Depois de gravar a minha parte, não ouvi música durante sete semanas e nem sabia o que tinha feito, até me enviarem o álbum terminado. Quando o ouvi, não podia acreditar. O Mike Coles, que faz o nosso artwork deste 79, disse-me: “Jaz, este é vosso melhor trabalho.” Eu não queria ouvir o disco mas… [silêncio] Este disco toca-me. Toca-me profundamente.
É o vosso segundo álbum desde a reunião do line-up original. Como são os Killing Joke, comparados com há 30 anos atrás?
Menos violência! [risos] Sou amigo deles desde que sou adolescente, farei 52 anos dentro de duas semanas, e estes são os três homens no planeta mais próximos de mim, mesmo para além da música. Passei este natal com o Geordie, e o Youth esteve com o Big Paul na Inglaterra quando o pai dele morreu. Estou num grupo com os meus melhores amigos, nem acredito na minha sorte. Estivemos para nem fazer esta tournée, visto que eu estava doente, mas acreditamos muito que o mundo precisa dos Killing Joke. É um dever que temos, não tem nada a ver com dinheiro ou fama. Estamos comprometidos com uma causa.
Mas numa altura como estas, não é estranho que as diferentes formas de expressão artística não acompanhem este período? Ao longo da História, todos os períodos de convulsão social tiveram reflexo na Arte e isso parece que não está a acontecer agora.
Inteiramente de acordo. Se entrar numa loja de discos, não encontro aquilo que procuro por isso tenho de o fazer eu próprio [risos]. Não tem nada a ver com dinheiro, isso não existe. Tem a ver com Beleza, com embelezar o mundo. Precisamos de Arte, mais que nunca, para tornar o mundo bonito. Precisamos de mais artistas, precisamos de evoluir para a família global sonhada por Schindler, Beethoven e Gandhi, para podermos desactivar todos os 435 reactores nucleares no planeta. É esse o meu sonho, desmascarar todos esses cabrões que falam em energia limpa. E posso dizer-te outra coisa, nunca mais tocamos nos EUA novamente, pelo menos até este regime mudar.
Pode ser que, depois de 2012, possas então voltar aos EUA.
Não é importante pensar no que pode ou não acontecer. O mais importante é dizer às pessoas que gostamos que as amamos. Nunca passar por alguém que não tem comida ou abrigo e não metermos a mão ao bolso para o ajudarmos.
Os Killing Joke são então uma ilha, num oceano de música sem significado?
Acredito nisso, absolutamente. De início, nunca vi os Killing Joke a serem mais que uma banda de clubes, visto a nossa música nunca ceder a compromissos, e não passaríamos muito na rádio ou televisão. No punk, toda a ideia de celebridade era estúpida, e continua a ser tão estúpida hoje como era na altura. Não há nada que odeie mais que pessoas que se julgam celebridades, ou rock stars. Podia dar-te uma lista de todas essas pessoas a quem gostaria de dar um murro na cara [risos]. Cada um de nós é que tem de ser o seu próprio herói na sua vida, e o Geordie, o Paul e o Youth preenchem perfeitamente aquilo representa estar numa banda: amigos, inovadores, revolucionários, trabalhadores, resilientes, preenchem todos os critérios e amo-os a todos. Se não fizesse parte do grupo, seria o maior fã de Killing Joke. Se me perguntasses quais os três compositores, dos últimos 500 anos, que mais me influenciaram, respondia Paul, Youth e Geordie.
Sei que estás a preparar um festival para o final deste ano. Fala-nos sobre isso.
Sim, chamei-lhe «A Party At The End Of The World» e vai acontecer na Nova Zelândia, onde vivo. Quero angariar fundos para reconstruir escolas em Christchurch, destruídas pelos terramotos. Não é para celebrar o fim do mundo, pois não acredito que vá ser, é serviço público. Sou um homem abençoado e tenho de devolver um pouco de tanto que recebi. É a única coisa que quero fazer com o resto da minha vida.
Só para terminar, faz-nos um ponto de situação sobre o documentário «The Death And Ressurection Show».
Sai em Junho e vou à ante-estreia na Nova Zelândia. É o pior de mim em filme [risos]. Tem três horas e é demais para mim ver: num momento estou a gostar, noutro estou literalmente a chorar. E é tudo em tempo real, está a acontecer enquanto é filmado. Que ano excitante este vai ser, hein?
Hossana Nas Alturas
in Underworld #20, Verão 2006
Falar de Killing Joke é falar de uma das mais importantes bandas dos últimos 30 anos. Figuras marcantes do período pós-Punk, a sua influência é reconhecida por bandas como Nine Inch Nails, Metallica, Tool ou Nirvana. Após um bom álbum homónimo em 2003 – quebrando um interregno de sete anos desdeDemocracy –, surge agora Hosannas From The Basements Of Hell, um disco mais primitivo, em toada back to basics, mas que vem trazer novo interesse à carreira dos Killing Joke. O Under ligou para Praga e falou com o excêntrico Jaz Coleman.
Jaz Coleman é senhor de uma das mais versáteis e interessantes carreiras musicais da actualidade. Além de líder e fundador dos Killing Joke, tem desenvolvido um importante trabalho a nível de composição clássica e na condução de orquestras sinfónicas. Fez adaptações neo-clássicas de trabalhos dos The Doors e Pink Floyd, colaborações com Sarah Brightman, Natasha Atlas, entre outros, e que já lhe valeram alguns milhares de discos vendidos e três Grammies em 2002. Acumulou funções na Orquestra Sinfónica de Praga (e agora de Sidney) e foi responsável pela alteração da letra do hino nacional da Nova Zelândia, de Inglês para o Maori tradicional. Lendária é também a sua relação com os jornalistas. Jaz já fez coisas tão bizarras como mandar entregar camiões cheios de estrume em redacções, responder a entrevistas em idiomas inteiramente engendrados por ele, ou até mesmo despejar vísceras de animais na secretária de um jornalista da Kerrang – a propósito de uma crítica negativa. Foi também essa a revista que atribuiu aos Killing Joke o prémio Lifetime Achievement de 2005. Por tudo isto, é impossível não ficar um pouco ansioso antes de conversar com Jaz, mas logo ao primeiro minuto fiquei rendido à sua simpatia e sonora gargalhada. Segue-se a conversa tal como aconteceu, sem cortes.
Jaz, como é que uma banda com mais de 25 anos de actividade grava um dos melhores discos da sua carreira? Achaste importante dar esta prova de vitalidade depois de um DVD comemorativo?
Sim, porque existem tantas bandas actualmente a reunirem-se pelas razões erradas e nós nunca nos separámos, fomos sempre fazendo música e sempre com um factor de vitalidade e inovação, caso contrário nem nos daríamos ao trabalho. Tenho mais que fazer com o meu tempo. Mas fico surpreso. Se me dissessem, quando tinha 17 anos e começámos esta banda, que 28 anos depois estaria ainda a gravar discos – sim, porque este é o nosso 28º ano, não percebo porque quiseram fazer uma festa de 25 anos no ano passado –, não acreditaria. Tem sido uma jornada incrível e a nossa popularidade tem sido bastante consistente ao longo dos anos. Não estamos na big leaguemas sem dúvida que deixámos a nossa marca na história da música.
E este disco tem recebido reacções entusiastas.
Excelentes reacções! Gravámos tudo num pequeno estúdio merdoso, numa adega em Praga, com gravadores de 16 pistas, sem Pro Tools nem nada dessas merdas modernas. Voltámos atrás no tempo com esta gravação low-tech e eu adorei a experiência. Acho que o disco tem uma atmosfera muito boa. Não tem um daqueles sons massivos, com dúzias de guitarras – gravámos cada instrumento numa pista, inclusive a bateria. Divertimo-nos bastante, bastava ir para estúdio e começar a tocar e o resultado é o que se ouve – é muito cru e muito directo. Acho que está na altura das bandas baixarem as despesas nas gravações e divertirem-se um pouco mais no processo, em vez de tentarem ter estes sons cheios, “à americana”, que todos procuram hoje em dia.
Sim, e consegue sentir-se essa atmosfera de boa disposição no disco.
Foi uma fase completamente insana. Foi o primeiro ano em que toda a banda começou a viver em Praga e somos praticamente todos vizinhos uns dos outros. Víamo-nos todos os dias e aconteciam sempre loucuras. Praga é uma cidade de excessos e de boémia. A cerveja é mais barata que água e há mulheres lindíssimas por aqui, como podes imaginar. No período em que gravámos este disco houve três grandes discussões e três gravidezes! [gargalhada]
Este é um disco de Praga?
Definitivamente, é mesmo um disco de Praga. Alguma vez aqui estiveste?
Ainda não. Mas o teu texto que vem no booklet do CD corresponde exactamente à imagem que eu tenho de Praga.
Conseguiste ler? Foda-se, eu tenho de aumentar as dioptrias dos meus óculos porque não consegui ler uma única palavra. É um lugar muito estranho e místico e tem uma aura muito negra também mas, mesmo assim, acho que é a cidade mais bonita da Europa. E é uma cidade que nunca teve guerra e por isso toda a sua arquitectura antiga está completamente intacta, desde o século XII ou até antes. Um excelente sítio para vires com a tua namorada. Ou não! [gargalhada] Se calhar é melhor vires sozinho.
Este disco também teve uma fase de preparação muito particular. Visitaram algumas zonas de conflito em busca de inspiração.
Sim, estive em Beirute e gravei as cordas da terceira faixa em Tashkent no Uzbesquistão, dias depois de um grande motim que resultou nas forças policiais a abrirem fogo sobre a multidão, matando muitas pessoas. Depois estive em Taiwan, onde escrevi algumas letras. Sente-se lá uma atmosfera muito estranha, sente-se a China mesmo do lado de lá da água. Estive também na Bolívia mesmo antes de Evo Morales subir ao poder e sentia-se que podia haver uma revolução a qualquer momento. Fui a estes sítios para sentir a atmosfera mas o que tirei daí não foi o que eu pensava. Percebi que, mesmo estando o planeta moribundo, há um elemento de celebração no disco. Ainda não estamos mortos por isso vão-se foder e divirtam-se. [risos] “Comam, bebam e casem-se”, é o que eu costumo dizer, e estejam com as pessoas que amam. Há coisas que não podemos mudar e já nem temos peixe no mar! Eu lembro-me de ver, quando era miúdo, grandes peixes no mar enquanto nadava, e agora desapareceram todos. Isto é muito triste e, para ser honesto, ainda bem que não nasci mais tarde. Pode parecer uma coisa estranha de se dizer mas eu pelo menos posso dizer que vi a Terra quando ainda era bonita.
Compreendo perfeitamente o que dizes. Já estive em África e vi pessoas que, apesar de viverem em pobreza extrema e em guerra, são felizes e conseguem ver um lado positivo em tudo. Não sei se concordas com isto…
Concordo totalmente. Como disse, acho que o mais importante na vida é estarmos com as pessoas que amamos. Basta atravessarmos o Mediterrâneo até ao Norte de África e verificamos que as relações entre familiares e amigos são muito mais próximas do que aqui no Ocidente, onde mandamos os nossos velhos morrer para lares de terceira idade, para que nos possamos esquecer deles. Tenho de concordar contigo e faz-me pensar no que quero fazer na segunda fase do meu trabalho com os Killing Joke. Tenho uma ilha na costa da Nova Zelândia, onde vou começar uma eco-aldeia. Não quero apenas uma, tenciono criar outra no Chile. Serão locais onde irão desenvolver-se recursos sustentáveis e onde posso convidar as pessoas a ficar, trabalhando cinco horas por dia na terra. Estou a pensar num mundo quando houver um crash económico como na Argentina, onde metes um cartão numa caixa automática e não sai dinheiro. Estou a tentar pensar à frente e responder a este tipo de crise. A porção de terra que tenho tem floresta mas também tem três cursos de água – e a água será mais cara que o petróleo muito em breve. Fala-se em fábricas de dessalinização da água do mar, tornando-a potável, mas o problema é que mexem na água do mar e voltam a atirá-la para os oceanos e matam toda a vida no mar, causando uma catástrofe ecológica. Isso já está a acontecer agora mas não acho que seja já o fim. Penso que a Terra vai passar por grandes mudanças, muitas pessoas vão sofrer e morrer mas não acho que seja já a extinção. Acho que os nossos corpos se vão adaptar às mudanças climáticas…com a ajuda de alguma engenharia genética. [gargalhada]
Voltando ao disco, no primeiro tema, “This Tribal Antidote”, falas da experiência que é um actuação de Killing Joke. Cito: “not a concert show or entertainment. A temple, a ritual, a festival of dissident kindred spirits exchange and listen.”
Claro que é muito mais do que um concerto, tornou-se mais numa filosofia. Deixa-me pôr as coisas deste modo: já estive com muitas pessoas que gostam de Killing Joke quando estão a morrer – literalmente a morrer – e, nessa segunda fase dos Killing Joke, quero dedicar-me a uma nova espiritualidade. Absolutamente! Queremos reescrever os livros antigos, inserir novos comentários na Bíblia e noutras peças de literatura datadas, que ainda são relevantes nesta era moderna. A família nuclear está desfeita, quase todas as pessoas que conheço provêm de uma família com apenas um dos pais, acho que existe toda uma nova sociologia. Isto não são coisas que eu quero apenas escrever, quero mesmo criar duas comunidades que vivam segundo isso. É a isto que eu chamo a segunda metade do trabalho dos Killing Joke e já começámos a trabalhar em tornar os nossos sonhos realidade. Aquilo que eu quero fazer no futuro, além de conduzir orquestras e compor, é fazer tournées de palestras e debates com pessoas por todo o mundo, acompanhado por um tradutor. Quero falar com pessoas comuns, sem posses, discutir com elas como podemos dar resposta às mudanças que o mundo atravessa.
É um projecto ambicioso.
Claro que é ambicioso! Toda a gente dizia que eu era louco quando queria ter uma ilha em 81, 82 e agora tenho uma. Dizia que queria conduzir orquestras mas não podia porque não tinha formação. Obtive essa formação e agora faço-o. Tudo é possível e eu sou a prova viva disso, meu amigo![gargalhada]
No DVD comemorativo dos 25 anos há uma entrevista contigo, na qual me impressionou a maneira como falas dos membros da tua banda. Existem mesmo laços muito fortes entre vocês.
Sim, sem dúvida. Ás vezes ficamos fartos de nos vermos, o que é normal, e todos somos livres de partir e fazermos os nossos projectos, mas temos esta ligação familiar entre nós. E até antigos membros de Killing Joke, como o Youth e o Big Paul, todos se mantêm em contacto, e nunca sabemos se no próximo disco será o Youth a tocar baixo, o Big Paul pode aparecer e tocar bateria… nunca sabemos, mas é sempre o mesmo grupo de pessoas. Mas estou sempre eu e o Geordie, somos os anciãos. [risos]
E vocês envolvem-se mesmo em confrontos físicos?
Sim, normalmente sou apenas eu e o Geordie. Tivemos três pegas mesmo feias no ano passado, por isso estou a tentar controlar melhor o meu temperamento este ano. Mas continuamos a ser os melhores dos amigos. Mesmo depois de andarmos à porrada tomamos chá juntos. Quando estás com um tipo há 28 anos e ele começa a chatear-te a cabeça e a meter-se contigo, é impossível a coisa não resultar em violência. E quando ele bebe duas garrafas de vodka e começa a ser chato, eu simplesmente arreio-lhe! [gargalhada]
Tudo isso contribui para alguma controvérsia e folclore à volta da tua pessoa.
Sim, nem acreditas nas histórias que já ouvi sobre mim. Já li coisas inacreditáveis. Algumas são verdade mas outras são completamente falsas, por isso se queres perguntar-me quais são verdade e quais são mentira, fica à vontade.
Queria apenas que nos contasses qual a coisa mais bizarra que já inventaram sobre ti.
Deixa-me pensar… Uma vez, estava a fazer uma conferência de imprensa em Paris e um jornalista levantou-se e perguntou-me: “Jaz Coleman, porque praticas a necrofilia?” [gargalhada] Mas não percebo muito bem por que inventam tanta coisa sobre mim. Não uso computadores ou e-mail, sou um tipo recluso mas se alguém quiser falar comigo depois de um concerto, sou um gajo acessível e que fala com toda a gente, apenas não uso formas modernas de comunicação. Tenho uma vida algo reclusa entre Praga, Nova Zelândia e, às vezes, Suíça.
Li que vens de uma longa tradição de excêntricos ingleses como Aleister Crowley.
Mentiria se dissesse que não estive envolvido na tradição templária e ritualista mas… se gostaria que Aleister Crowley tomasse conta das minhas filhas? Não! [gargalhada] Vejo nele um personagem muito interessante e é um dos muitos mágicos cujo trabalho estudei, mas acho que o homem representava a falência da moral. Foi um de muitos e ainda mantenho contacto com esta comunidade de pessoas, apesar de ter saído de algumas ordens templárias. Hoje em dia tento apenas viver bem comigo próprio. O conhecimento não te traz felicidade, meu amigo.
És também o director da Orquestra Sinfónica de Praga…
Não, acabei o meu contrato com eles e vou começar com a Orquestra Sinfónica de Sidney por um ano. Ainda vou fazer alguns concertos com a Filarmónica checa mas depois começo com a de Sidney para a nova época.
Vais então mudar-te para a Austrália?
Não, vou lá apenas para os concertos. Vou estar na Nova Zelândia e é um voo de apenas três horas para lá. Não conseguiria viver na Austrália. Lá só existem cidades horríveis, deserto, cobras venenosas e crocodilos, por isso podes ficar com isso para ti. [gargalhada] Fica em Portugal, que tens uma vida melhor. É verdade! Vamos tocar em Barcelona na próxima sexta-feira, se quiseres vir eu meto-te na guest list.
Ena, obrigado! Adoraria ir mas não será possível. Acho que terei que me contentar em ir ver o Roger Waters, que vai tocar o Darkside Of The Moon todo.
A sério? Pergunto-me como é que o resto da banda [Pink Floyd] se sentirá em relação a isso.
Ouvi dizer que foram convidados, mas recusaram. O único que mostrou alguma abertura foi o Nick Mason, que vai tocar em alguns concertos.
[gargalhada] O Waters é um gajo muito difícil. E eu que pensava que tinha problemas na minha banda! [gargalhada] Fuckin’ rockstars! Apesar de ser ele quem recebe o dinheiro todo, é o bastardo mais miserável à face da Terra. Eu fiz uma sinfonia baseada na música dos Pink Floyd, que vendeu 1,6 milhões de discos nos EUA e o Waters foi quem teve de dar autorização para editarmos esse disco – e só o fez para poder fazer pirraça aos outros membros do grupo. Ele não é um homem feliz. Conheço muitos destes rockstars mais velhos… um amigo meu viu o Jimmy Page há alguns dias a andar de autocarro com passe social. Como já tem 65 anos, tem passe social como os pensionistas. E é milionário, o bastardo! [gargalhada]
E para os Killing Joke, o que se segue?
Há muitas coisas interessantes a acontecer. O filme sobre os Killing Joke será finalizado muito brevemente, vai-se chamar The Death And Ressurection Show e tem imagens dos Killing Joke dentro das Grandes Pirâmides [onde foram gravadas algumas partes de voz no disco Pandemonium, de 1994] e muitas histórias engraçadas. É a história dos Killing Joke e é interessante saber o que acontece no final ao entrevistador e autor de toda a pesquisa, pois a sua vida acaba também por mudar. Estamos muito excitados com o projecto, e deve estar cá fora até ao final do ano. É agradável deixar a condução de uma orquestra e entrar na loucura dos Killing Joke, gosto destes extremos.