“Hi, this is Ricardo from Loud!”
WOVENHAND
Rei Dos Dilúvios
Foi escrito uma vez que David Eugene Edwards coloca mais alma e emoção em cada nota e palavra dita que muita gente sente numa vida inteira. Pura e inadulterada paixão, intensa e honesta, algo com que cada um de nós se identifica e que tanto nos atraiu na música pesada. Será por isso que o novo trabalho de Wovenhand, «The Laughing Stalk», merece especial referência nesta edição. Sobre o mesmo, nada como passar a palavra ao próprio David Eugene Edwards.
Por Ricardo S. Amorim
David, têm um novo disco prestes a sair. O que é o «The Laughing Stalk» e o que pretendes transmitir com este título?
Representa a ideia de vida depois desta vida. Este corpo não é mais que uma concha, ou um pé-de-milho [corn stalk] de onde saímos, prontos para uma nova vida. Essa é a ideia geral das letras deste disco.
E como foi o teu estado de espírito enquanto compunhas este, que é o disco mais pesado da tua carreira?
Sim, também concordo que seja. É muito mais directo e straightforward, num sentido rock n’ rol. Menos atmosfera e quase não toquei outros instrumentos. Gravei algumas coisas aqui ou ali mas, basicamente, é apenas baixo, bateria e guitarras. Isso também se deveu às pessoas com quem estou a tocar agora: o Chuck French, que é um guitarrista já versado em rock pesado, e o Gregory Garcia Jr. no baixo, que também é um rock n’ roller. São amigos meus, pessoas com quem já andámos em tour e conhecíamos há algum tempo, o que torna o disco mais próximo daquilo a que soamos ao vivo, que é sempre mais rock n’roll. As pessoas estão sempre a pedir um disco ao vivo e eu não sou um grande apreciador de registos ao vivo por isso quis gravar um álbum de estúdio que tivesse o mesmo feeling que temos quando tocamos ao vivo. Era um pouco essa intenção, mas acabou por sair um disco ao vivo antes disso também, o «Live At Roepaen»[risos].
Depois da saída do Pascal [Humbert – baixista], a escolha por dois novos elementos, e com o background do Chuck e do Gregory, foi uma escolha natural ou algo ponderado em relação à direcção a que querias levar os Wovenhand?
Foi completamente natural. O Gregory é um membro da família, pois é sobrinho do Ordy, o nosso baterista. Tem sido parte das nossas vidas desde sempre, muito entusiasta por Wovenhand, adora a música e tem-nos apoiado desde sempre. Originalmente, ele nem é baixista, é um baterista e muito, muito bom. Mas precisávamos de um baixista e disse-lhe para comprar um baixo. Ele, basicamente, consegue tocar tudo por isso não me preocupei muito. O Chuck sempre esteve envolvido com bandas e está, neste momento, em tour com a sua banda Planes Mistaken For Stars, numa tournée de reunião aqui nos EUA. Ele toca noutra banda chamada Git Some que no ano passado estiveram em tour com Wovenhand, e demo-nos bastante bem. Disse-me que se alguma vez precisássemos de um guitarrista, ele estaria lá. Como estávamos a começar de novo, pensei que seria uma altura óptima para o convidar.
E de que forma é que esta nova formação influenciou a composição de «The Laughing Stalk»?
Escrevi todas as canções da mesma forma que normalmente escrevo. Ou seja, escrevi-as eu, antecipadamente, e depois levei-as à banda para adicionarem as suas partes e a sua personalidade àquilo que eu já teria escrito. Foi assim que sempre aconteceu com 16 Horsepower e com Wovenhand, juntamo-nos com base numa ideia que tive e trabalhamo-la até nascer a canção.
É interessante a forma como te surgem e amadureces essas ideias. Pelo menos de um dos temas, «Closer», já tinha sido interpretada uma pequena parte nas vossas últimas digressões, inclusivamente quando passaram cá por Portugal.
Já tinha esta letra há alguns anos, que por vezes me vinha à cabeça quando estou a tocar ao vivo. Não tinha música para ela mas acabava por cantar a letra sem música alguma ou com apenas um drone como fundo. E muitas destas coisas que costumo cantar ao vivo acabam por se tornar numa canção, algures mais tarde. Aproveito as oportunidades para transmitir determinada mensagem ou ideia e depois coloco-as em música.
E quando tocam ao vivo os temas, ficam bastante diferentes das versões que gravaram no estúdio. De que forma encaram a performance de palco?
Não é um assunto sobre o qual falemos entre nós. Temos a energia da experiência que representa estar em palco, a energia do público, a excitação e o nervosismo que toda a situação provoca, leva a que os temas saiam de uma forma mais agressiva. É isso que representa para nós a experiência ao vivo, não é apenas reproduzir os temas conforme foram gravados. A situação empurra-nos numa certa direcção e, não vou mentir, gosto disso. Chegou a altura agora de reconhecer isso num álbum.
De há uns anos a esta parte, talvez mais assumidamente nos últimos dois anos, os Wovenhand têm vindo a obter um reconhecimento importante junto de um púbico de música mais pesada. Como reages a isto?
De início, foi um pouco surpreendente para mim. Mas, ao mesmo tempo, acaba por não ser nada surpreendente haver uma ligação entre aquilo que faço e o que outras bandas nessa categoria – se assim lhes quisermos chamar – fazem. Temos um ponto de vista diferente, por certo, mas creio que as pessoas reconhecem uma certa seriedade e honestidade naquilo que fazemos e com as quais se conseguem identificar. É difícil para mim explicar, pois para diferentes pessoas haverão diferentes motivos para se sentirem atraídas por aquilo que faço, e não posso falar por elas. Mas fico feliz por isso e sinto-me muito lisonjeado. Somos aceites de uma forma que nenhum outro grupo ou categoria musical nos aceitou antes. Quando começámos, fomos considerados uma banda de alternative country, mas este universo de música nunca gostou muito de nós ou nos aceitou, o mesmo aconteceu com o mundo indie. Este, o da música mais pesada, foi o primeiro grupo ou público a aceitar-nos como somos e fico muito grato por isso.
É engraçado dizeres isso pois, de certa forma, a música pesada, que não se limita ao metal, continua a ser um género pouco aceite. Talvez haja ai uma espécie de solidariedade marginal, como acontece com o Hank Williams III.
Sim, é verdade. Parece que podemos traçar ai um certo paralelismo com o Hank.
Uma coisa que é indissociável de ti, desde 16 Horsepower e também com Wovenhand, é a temática geral das tuas letras: a fé. Sendo um meio, por vezes, algo hostil em relação ao cristianismo, alguma vez sentiste algum tipo de preconceito?
As pessoas já sabem sobre aquilo que canto. Ou, pelo menos, sabem aquilo em que acredito. Se vão a um concerto, vão porque querem lá estar. Não forçamos a nossa música a ninguém e as pessoas que vêm, vêm por uma razão. Se não querem ouvir o que tenho para dizer, não precisam de vir e não precisam de ouvir a nossa música. Mas as pessoas vêm e as pessoas ouvem, e isso tem de valer alguma coisa. É sinal de que recebem algo que querem.
E sendo algo tão importante para ti, dificilmente te entregarias da mesma forma quando estás em palco se não cantasses sobre algo tão espiritual. O que se vê é real, não é uma performance.
Exactamente. Como disse há pouco, há uma seriedade naquilo sobre o que estou a cantar e que, eu acredito, o é para todos os homens. Nunca fiz parte daquele mundo da música cristã, e não tenho qualquer interesse no mesmo. Sou uma pessoa que acredita naquilo que acredita, sou uma pessoa que ama música e que quer partilhar aquilo que tem, mas não o quer fazer de uma forma que seja em pacote, ou da forma que se espera que seja a norma. Quero fazê-lo de uma forma real, que seja honesta comigo próprio e com as pessoas para quem estou a cantar.
Outro factor de interesse neste disco é o facto de terem trabalhado com Alexander Hacke, dos Einstürzende Neubauten. Como surgiu esta colaboração?
Einstürzende Neubauten são uma das minhas bandas preferidas, desde que tenho uns 14 anos, ou coisa parecida. Sempre os ouvi e sempre fui extremamente inspirado por tudo o que eles fizeram. O Alexander também sempre foi um grande admirador do meu trabalho e eu não sabia disso até o ver no público quando tocávamos em Berlim, ou próximo. Ele era sempre a pessoa mais excitada no público, sempre a gritar [risos]. Ele sempre compreendeu a urgência da música e, como digo, a seriedade da música e sempre demonstrou grande respeito e admiração pelo nosso trabalho. Víamo-nos com alguma frequência e era suposto ele ter-se tornado no baixista de Wovenhand, mas algumas circunstâncias não permitiram que tal acontecesse. Contudo, conseguimos concretizar o objectivo de tocarmos juntos, pois não só misturou o «The Laughing Stalk» como estivemos juntos um mês antes disso a gravar com Crime And The City Solution, outra banda dele da qual eu era um grande fã e que agora se reuniram e eu toco guitarra com o Alex. Estivemos a gravar em Detroit e vamos estar em tour no final do ano.
Neubauten não é uma influência que seja minimamente óbvia no teu trabalho, ao contrário de outras que desde sempre referiste, como Bob Dylan ou Joy Division. Que música andas a ouvir actualmente?
Nos últimos dois anos, basicamente só oiço música nativa americana. Grupos de percussão como os Northern Cheyenne Drum Groups ou ainda The Black Lodge Singers. Passo muito tempo em reservas aqui na América com o meu filho, basicamente apenas a passar tempo com as pessoas de lá e a ouvir música. Também oiço muita música mongol e húngara, e tudo o que seja música tradicional com ritmo tribal atrai-me muito. Gosto muito do Bill Calahan, que acho que é o melhor escritor de canções da actualidade e oiço-o muito. Não há um género de música específico que goste mais que outro. Basicamente, se alguém criar algo que é verdadeiro, isso toca-me. Como o novo disco do Will Oldham, que é absolutamente fantástico. Adoro estas pessoas, o que fazem e o que estão a cantar. A criatividade que têm é algo que me inspira.
Mesmo no universo da música mais pesada, temos assistido a uma tendência para cada vez mais músicos arriscarem discos acústicos. Além dos elementos de Neurosis, que não são estreantes nisso e fizeram agora um disco com o Wino de tributo a Townes Van Zandt, também o Mike Scheidt, dos YOB, deu esse passo. O que tens a dizer sobre isso?
Boa música é boa música, seja de que género for. Há coisas que têm impacto nas pessoas, independentemente do género a que estejam habituadas a ouvir. Quando se ouve algo que é bom, é apenas bom. Seres humanos são seres humanos e, de certa forma, todos têm os mesmos desejos e necessidades. Todos temos uma necessidade de ser compreendidos e respeitados e ser amados. Houve uma mudança e acredito que os 16 Horsepower abriram muitas portas para que essa mudança fosse possível, nomeadamente na música pesada. As pessoas antes não seguiriam em determinadas direcções porque poderiam ser vistas como fracas ou que não estariam a ser fiéis ao seu estilo de música, mas creio que ajudámos estas pessoas a fazer a transição e a alargar o seu universo musical sem medos.