Jera e Eihawz – Searching For Substance (Cotton Ferox)
Não tenho mantido o ritmo de posts a que me tinha proposto e por isso, o meu pedido de desculpas; quando me lancei este desafio (que tem sido interessante a nível pessoal) não ponderei bem sobre as dificuldades que o mesmo acarretaria… fazendo uma auto-análise, reconheço que algumas das minhas entradas têm sido menos inspiradas, lamento.
Agora vamos ao que interessa, runas.
A runa Jera na sua abordagem mais directa relaciona-se com a altura das colheitas – lá está, a malta pagana desses tempos via nos ciclos da agricultura um micro-cosmos que explicava/racionalizava o macro-cosmos – logo, os seus sub-significados são aparentemente positivos.
Numa análise mais detalhada no entanto, ponderamos que as colheitas não são só um símbolo das coisas boas e bonitas, nem vamos logo fazer uma grande festa por isso.
Esta runa, falando-nos das colheitas, diz-nos que “colhemos o que semeamos”… o que nem sempre é bom.
Ocupa a 12ª posição na progressão linear do Futhark e liga-se assim, aos doze meses do ano e, pela mesma ordem, ao fim dos ciclos. Os fins, numa perspectiva pagã mais alargada, raramente o são e amiúde marcam somente novos começos.
Partindo desta premissa, a Jera alerta-nos para a necessidade de acumular o suficiente para esse novo começo que sucede as colheitas, o Inverno (um dia, quando escrever um tratado sobre as runas – 😀 – alargarei a questão do Inverno, hoje não). Quebrado o gelo, retoma-se a acção.
O movimento circular implícito na forma desta runa – o da ceifa, das estações, etc – apresenta-nos um outro grande símbolo, o do eixo e este, é a figura central da sua amiga próxima, a runa Eihawz.
Só a questão do eixo dava-nos material para uma grande grande grande conversa, pelo que a bem da sanidade, e paciência dos leitores, me vou cingir ao essencial.
A 13ª runa é a do Teixo (Taxus Baccata, a árvore mesmo), e o Teixo para os escandinavos era a imagem viva do sustentáculo do mundo, a Yggdrasill.
Se gostarem mínimamente de antropologia já se terão deparado com esta figura do eixo do mundo que por vezes é uma árvore, mas que também pode ser uma pedra (como bétilo dos Israelitas ou a Kaaba dos Muçulmanos, para referir umas famosas) ou uma conjunção de ambas. O próprio signo da Eihwaz é bastante esclarecedor, ao mostrar uma “ponte” entre o em cima e o em baixo (vide Tableta Esmeralda).
Em paralelo, o teixo é um símbolo poderoso da Morte, pois as suas bagas venenosas são conhecidas por já ter morto uns tantos. Paradoxalmente (ou talvez não) a casca do teixo tem aplicações medicinais entre as quais alguma relacionadas com a pesquisa da cura para o cancro e assim, assume uma figura de protecção.
Tradicionalmente os arcos eram fabricados com esta madeira – pela sua resistência e flexibilidade – conferindo ainda uma nova leitura dupla desta árvore fascinante: o arco mata mas protege.
Correndo um risco perigoso, o de relacionar runas com cartas de Tarot*, não consigo deixar de pensar na 13ª carta do Tarot que, já se adivinha, é a Morte, símbolo da transformação.
Subir a uma árvore é a iniciação xamanística mais comum transversalmente, seja na Sibéria, nos Estado Unidos ou onde existir um tamborzinho a tocar. E a iniciação, já se sabe, não é mais do que morrer para renascer numa nova realidade.
Este “Mistério do Eixo” que vos revelo (não se preocupem, não me levo assim tão a sério) tem um dos seus símbolos máximos naquele mal afamado símbolo que é a suástica e, olhando bem para estas nossas duas runas, não é difícil ver a sua grafia simbólica em ambas.
O eixo manifesta-se naquilo que Lao Tse descreve como o wei-wu-wei: a acção pela inacção.
De acordo com o velho alquimista e filósofo Taoísta devemos abandonar a acção determinada e a vontade férrea e deixar que a natureza guie de um modo espontâneo e eficaz o nosso comportamento. Nesta perspectiva, é fácil relacionar esta ideia com os conceitos “emanados” pela runa Raidho – digo eu, que não sou um runólogo profissional e como tal, desprovido de backup académico para argumentar com mais do que com a intuição.
“Quod est inferius est sicut quod est superius, et quod est superius est sicut quod est inferius, ad perpetranda miracula rei unius.” – “O que se encontra em baixo é o que se encontra em cima, e o que se encontra em cima é o que se encontra em baixo, para realizar os milagres da una coisa.” (atribuído a Hermes)
Estes dois últimos parágrafos, concluo agora que os escrevi, se calhar contêm tudo o que há para saber sobre estas duas runas. Reflictamos sobre isto se assim o entendermos.
E acabou, entra a banda sonora agora 🙂
Searching For Substance é uma música de Cotton Ferox, cantado pelo Genesis P que neste album assume individualmente o estandarte dos habitualmente rockeiros Thee Majesty. Este registo não é nada rockeiro e, em boa verdade, nem sei bem porque o relaciono com estas runas.
A verdade é que a natureza paradoxal da sua letra, associada à figura do Genesis ilustra mesmo bem as ditas… não sei o que vos diga, deve ser mais uma daquelas tretas intuitivas. Isso e até tem uma suásticazinha na capa, é capaz de ter sido disso 😉
«(…)The end never comes – New beginnings appear
To those that wait – To the restlesss
For no reason – For no reason(…)»
*corro um risco porque o Tarot é normalmente associado a sistemas divinatórios e eu, pessoalmente, não entendo que as runas alguma vez tenham servido esse propósito. As fontes históricas fiáveis que possuímos (Tácito na sua Germania, por exemplo) relatam-nos que os bárbaros do norte usavam signos gravados em ossos ou madeiras como método divinatório mas, em lado algum, as identificam com as runas em si. Aliás, a tradição divinatória está ligada a uma certa sensibilidade feminina (não no sentido de género, entenda-se) e xamanística, esta
ndo os seus aderentes mais alinhados com a linhagem dos Vanir (usualmente ligados ao culto dos irmãos/amantes Frey e Freyja) do que com a dos Ases. Sendo que as runas foram “reveladas” pelo patriarca mor dos Ases, dificilmente se consegue aceitar que estas fossem conhecidas pelos Vanir antes da chegada dos Ases.
Esta interessante história dos Vanir vs Ases também dá direito a histórias sem fim que opto por não referir aqui para não maçar os meus amigos mais do que o estritamente necessário.
De qualquer modo, fica o comentário que também não vejo o tarot como um sistema divinatório em si, mas antes uma estrutura simbólica de cariz iniciático mais relacionada com a Hermética do que propriamente com a arte de adivinhar o futuro… é tão mais fácil analisar vísceras de pássaros para isso.