Klássicos: Avatar


Por António M. Silva

Mal a Ana e o André me fizeram o convite para escrever um Klássico, comecei logo a pensar nisso. Primeiro tentei desvalorizar o assunto, assim como quem não quer a coisa, depois depois fiquei ligeiramente obcecado e acabei a pensar nisso enquanto cozinhava. Foi mais ou menos nessa altura que me decidi que tinha que escrever sobre o Avatar, por isso quando vocês lerem isto, já tem uma semana. Espero que ainda faça sentido.

Não sei se terei necessariamente uma história com o disco. A história que tinha com o Bitches Brew do Miles Davis, essa tinha alguma piada – dentro da proverbialidade que uma história de pai e filho tem. E claro que podia ser qualquer outra coisa, daquelas que ninguém conhece nem nunca ouviu, mas a verdade qualquer outra coisa já veio demasiado tarde na minha vida para os olhar já com saudade de klássico.

Não, a história é banal e como diria o Alexandre Botelho, leva Ventil e meio a contar. Foi algures em 2006, que alguém no meu me falou deles. Isto porque eu lhe tinha dito que gostava de rock progressivo. “Sim, gosto de Genesis, Jethro Tull, isso tudo”. Em resposta ele recomendeu-me especialmente o “Avatar. Comets on Fire. É fácil de lembrar”. Dois dias depois, eu tinha encontrado um novo Phil Collins.

Parafraseando, este disco está cheio de graça. Ah, aquela delicadeza que precede o pranto ao longo de Lucifer’s Memory – esta é sempre a primeira gracinha que me vem à cabeça, que olhado agora, sabendo-os parados, se reveste com a mística de canto-de-cisne da banda. E mais, se alguma vez ouvirem o disco, comecem por aí. A partida pode parecer falsa, mas é amiga o suficiente para vos deixar fôlego para aguentar a viagem. Dali, caminha-se entre o delirante e o xamânico, com os pontos mais altos (de jam alimentada a drogas) em “Sour Smoke” e “Swallow’s Eye”. Sim, acho que experiência é uma palavra que cabe bem à primeira audição deste disco – e às dezenas ou centenas que se seguiram também.

Curiosamente nunca os vi aos vivo. Sei que eles estiveram na ZDB alguns dias depois de eu os ter ouvido pela primeira vez, mas estava há tão pouco tempo em Lisboa que o concerto me passou ao lado. Acabei por não os ver ao vivo e entretanto já estou preparado para morrer ou ficar sem surdo sem os ver em cima de um palco. Para me compensar de alguma forma, o universo fez com que eu não desaparecesse da face da terra sem ter uma oportunidade de ver Six Organs of Admittance e entrevistar o Ben Chasny – e isso faz-me substancialmente mais feliz.

Mais tarde, a internet acabou por ser um aliado útil. Foi nessa altura e por causa deste disco, que acabei por chegar a coisas como Rangda, ou malta como o Jack Rose e o Chris Corsano – tudo gente a partir de quem acabei por chegar a vários outros sítios. E o melhor é que além de ter sido uma porta, o Avatar acabou por se transformar numa espécie de agredador de almas. O meu pai não desgosta de todo do disco. A sério, se algum dia me faltar conversa ao pé do Ciladas e do Alex, já sei do que puxar – e um Ventil também. Até no tasco lá da terra os Comets on Fire são a banda que não faz o dono da casa protestar.

Acho que é por isso (e por mais coisas que ainda se vão passar) que o Avatar é um Klássico, daqueles que eu consigo trautear de fio a pavio e dizer os nomes das músicas todas, quase por ordem. Ouçam-no ou reouçam-no e façam o favor de se divertir.