A nossa cultura está saturada de heterossexualidade. A mais subtil e negável maneira pela qual a avaliação sexual é realizada – e a mais ubíqua – é o olhar, a inspecção visual do corpo. Sempre presente num contexto sexual está o potencial de objectificação sexual, ocorrendo este quando o corpo ou partes dele são separados da pessoa, convertendo-os a instrumentos ou símbolos imbuídos da capacidade de a representar por inteiro.

Todas as culturas moldam os desejos da sua população de maneiras profundas e pessoais. Muitas sociedades ferozmente favorecem um tipo de corpo ao invés de outro; muitas mantêm standards específicos de beleza e algumas requerem até que os seus membros se sujeitem à agulha e à faca para se adequarem a esses moldes. Num mundo ocidental centrado no desrespeito pelo outro, na auto-responsabilidade, na desunião familiar, no descrédito religioso, e com mais e mais meios electrónicos de comunicação, o contacto diário com outros seres humanos reais e tangíveis pode ser inteiramente evitado, seja no tráfico, nas filas para o supermercado ou no banco. Isto é isolante, e com uma “Wille zur Mach” materialista instalada, movemo-nos cada vez mais para a esfera da identidade pessoal. Este isolamento fortalece a modificação corporal como um tipo de expressão e, ao mesmo tempo, obrigação. A mistura de isolamento e sobremediatização afecta-nos a nível psicológico. A objectificação postula uma externalização do olhar levando a que, em certo ponto, nos olhemos a nós próprios como objectos observados e avaliados. Uma socialização efectiva começa com o cumprir de uma série mínima de pressões externas, prosseguindo na identificação interpessoal, e culminando no indivíduo a imbuir os valores sociais e atitudes circunscritos pelo zeitgeist.

Mesmo ignorando o feminismo na sua vertente panfletária, é inegável que a cultura Ocidental detém subtis maneiras de perverter os sentimentos femininos acerca da sua própria imagem impondo-lhes rígidos modelos físicos. Grandes e firmes mamas tornaram-se num símbolo de poder e numa “pila para senhoras”. Não querendo transportar esta analogia por muito tempo, comprar um par de implantes justificou a muitas mulheres não só um aumento de auto-estima mas um almejar por mais poder social. Ironicamente, obter uma maior pila simbólica fe-las sentir mais ‘femininas’. São as mamas artificiais uma nova forma de inscrição social? Um rito de passagem? Uma cultura centrada em portentosos úberes plásticos: uma cultura do falso. Do falso épico. Não entendo como podem inspirar desejo nem mesmo apreciação estética. Todo o espectáculo me parece surpreendentemente pouco sexy na sua hipersexualidade gigante. Não há arte do striptease aqui, não se revela lentamente, não há descalçar lento das meias, não se vive o personagem da dança. Talvez só um miúdo alcoolizado de 22 anos consiga realmente apreciar este mundo visto através de óculos cárneos.

Os ícones e ídolos modernos são presenças eternas. Os seus retratos, como as imagines romanas (máscaras mortuárias em cera ou bustos em pedra a partir delas realizados), são guardados em revistas cor-de-rosa no relicário doméstico junto à TV. A identidade moderna está condensada em unidades descontínuas de personalidade transmitidas através da linha dinástica civilizacional. O clã, ou tribalismo, enquadram ainda a ética e a sociedade. As esculturas-personas do Ocidente tiveram origem no Egipto mas adquiriram a sua configuração definitiva na Roma apolínea. Roma estabeleceu a lista dos eus ocidentais, nomes gravados na pedra.

O apolinismo grego era apelativo para os romanos, um povo altamente ritualista, com o seu solene formalismo no domínio da religião, do direito e da política. Roma tinha como centro o culto do Estado; a história e a hierarquia eram as formas da sua identidade nacional. Como Roma, a persona moderna converteu o estilo grego em algo de monolítico para seu próprio propagandismo. A elegante escala humana deu lugar à desmesura de um estilo oficial, governamental. O Kouros transformou-se em chuchas colossais que incharam e se alongaram como torres. Os romanos não imitaram a simples e vigorosa coluna dórica do Pártenon, nem a polida e elegante coluna jónica do Erecteion e do Propileu; mas antes a coluna coríntia, gigantesca e com nervuras, do Templo de Zeus situado na planura logo abaixo da Acrópole. Os bustos modernos são vastos templos do Eu-Estado, túmulos e fortalezas. Nenhum templo grego tem aspecto de túmulo.

A mente romana não era especulativa nem idealista. O templo grego é feito de bom e sólido mármore; o templo romano, de tijolo revestido a mármore. As esculturas dos frontões do Pártenon são finamente cinzeladas tanto na parte da frente como na de trás, mesmo no minúsculo frisado das vestes que não podem ser vistas desde o chão. Mas a parte de trás de uma escultura romana inserida num nicho era muitas vezes deixada quase em bruto. A metafísica do olhar grego, um esteticismo aristocrático que criava uma ordem espiritual a partir do visível e do concreto, é suprimida. Oblitera-se o erotismo e a sonhadora obliquidade. A persona contemporânea veste uma máscara edificada para os outros; a persona romana era uma construção pública: possuía densidade, peso, severidade. A grande estátua de Augusto na Prima Porta, por exemplo, é um Kouros convertido num diplomata sóbrio e cortês: a lei e o costume como fins sagrados em si mesmos. Os gregos eram peripatéticos, falavam enquanto caminhavam. A discussão era movimento e improvisação. As mamas inchadas são declamatórias e palavrosas. Sobem para o palanque e nunca mais de lá saem. A persona romana era a proa estável do antigo navio do Estado. Na verdade, o rosto era ao mesmo tempo rostro (o espigão da proa de um navio) e Rostra (tribuna adornada com espigões retirados dos barcos inimigos de onde os oradores discursavam no fórum).

A personalidade romana era equivalente a épica grega – um repositório da história racial. O grupo era soberano. A legião romana, muito maior que a falange grega, era uma extrapolação da vontade romana: força, resolução, vitória. Roma começou por combater os seus vizinhos itálicos e acabou reduzindo a escravidão todo o mundo conhecido. A artificialidade mamária é um confronto bélico de identidades celebrado num sumptuoso triunfo auto-publicitário tal como as paradas militares simulavam a linearidade da história. As mamas grandes são factos que amplificam a realidade; a arte grega transformava a realidade evitando os factos. A arte romana era documental, ao passo que os gregos tratavam a sua história como alegoria. O apolinismo grego era uma projecção sublime, a mente convertida em matéria irradiante. Já o apolinismo romano era um jogo de
poder, uma proclamação da grandeza nacional, esculpindo e fundindo na fronteira corporal Estado e pessoa como monumentos.