Mashup do dia: Vampiros, Religião, Filosofia, Cinema
Nestes dias em que a moda da dentuça resolveu de novo arreganhar a tacha com coisas tipo Twilight, Destino Imortal (este deu trabalho para encontrar), e estes tolos a terem voz na internet, resolvi mandar um dos meus renomados bitaites aqui no pasquim. Porquê? Porque sim. Agora cala-te e ouve. Ou então se calhar era melhor estar eu calado.
Sendo um gajo que do alto da sua provecta adolescência ainda insulta os bichos maus quando vê um filme de terror no cinema, mas que em casa ouve albuns onde descrevem de rigueur barbaridades várias gabando Satanás e dando jactância a seus mafarriquenhos feitos, resolvi reflectir em voz alta acerca do titulo em epígrafe.
Os filmes de terror violentos, daquele género sanguinolento e gore, com tripas e entranhas a voar por todo o lado, parecem-me de um gosto perfeitamente banal. Bem superior é o género de filme de vampiros que adopta um estilo à Alto Gótico psicológico; o estilo que parte do medievalesco Christabel de Coleridge e passa por Ligeia de Poe. Exemplos perguntam vocês? Posso dar alguns: Les lèvres rouges (1971), com elegantes vampiras lésbicas, Vampyr (1932) e The Addiction (1995), com a pequenina Lily Taylor a saltar ao cachaço do seu orientador de tese.
O Alto Gótico é abstracto e cerimonioso. O mal converte-se em fascínio hierárquico, entediado do mundo (veja-se a profusão de Confrarias proto-nobiliárquicas…quem não quer pertencer à Confraria das Tripas hm?). Não há lugar para a bestialidade. O tema é o poder ocidental erotizado, o fardo da história. The Hunger (1983), seria uma obra-prima do género, se não fosse arruinado por momentos já mais corriqueiros, como quando a Catherine Deneuve é posta a rastejar de gatas por todo o lado, babando-se sobre pescoços degolados. A carnificina não é propriamente o objectivo do vampirismo. O sexo – dominação e submissão – isso sim; todo e qualquer assunto de vampiragem devia ser delimitado por uma disciplina apolínea sob pena de se converter numa fantochada grosseira.
O filme de terror mediano contudo é anti-estético e anti-idealizante. O seu tema é o sparagmos, a energia de Diónisos. O filme de terror liberta as forças reprimidas pelo Cristianismo – o mal e o barbarismo da Natureza – os filmes de terror são rituais de devoção pagã. Neles, o homem ocidental confronta-se obsessivamente com aquilo que o Cristianismo nunca foi capaz de sepultar ou reabilitar. As histórias de terror que terminam com a vitória do bem já não são mais frequentes do que aquelas que acabam com a ameaça de regresso do mal (nem que seja para efeitos de lucro). A natureza, tal como os vampiros, não repousa no seu túmulo.
Os filmes de terror inundados de sangue menstrual e sujidade reflectem um tipo de sensibilidade anglo-saxónica, uma forma que o demasiado limpo protestantismo arranjou de se conspurcar a si mesmo. Há sempre uma mulher que morre aos pedaços. Nós cá em baixo, os Mediterrâneos, somos finos e já atribuímos essas deformações ctónicas a certos monstros femininos, como a Cila e à coitadinha da Medusa. Lá em cima, no Norte, onde são rotos e não batem nas mulheres a sério, o aviltamento do corpo está relacionado com gárgulas medievais, anões, duendes e trolls dos contos de fadas e mitologia nórdica. Os duendes representam uma espécie de evasão da crua realidade da natureza feminina.
Os filmes de terror insistem com mutilacões dionisíacas da figura humana, ou belos fenómenos epidérmicos – crostas, cicatrizes, inchaços… Os monstros dos filmes parecem cobertos de musgo e fungos. São tão cascudos e nodosos como troncos de árvores. O filme de terror utiliza a podridão como matéria-prima, uma podridão que faz parte do dissimulado anseio do Ocidente cristão por verdades pagãs. O filme de terror tacteia às cegas, e aquilo que procura, sem o saber, é o pântano da procriação, a matriz feminina. A natureza implica a dissolução, mas também uma fecundidade e uma grandeza cósmica. O filme de terror é filosoficamente incompleto porque também o Cristianismo é incompleto.
O paganismo clássico incluía uma visao mais abrangente do sexo e da natureza. Ao identificarem o sexo e a natureza com paz e amor, os liberais dos anos 60 deram origem à sadiana reacção do fim dos anos 60 e anos 70 – as produtoras começam a acrescentar sangue & xixa aos seus filmes e declinam no pântano do sexploitation.
Para acabar esta diatribe só mais um parágrafo de constatações: ter medo é ser passivo e masoquista e estar implicitamente num plano feminino. Representa uma submissão da imaginação a uma força esmagadoramente superior. Não é anormal que uma plateia de um filme de terror seja maioritariamente constituída por casais, cujos gritinhos durante o filme tem tanto de despertar sexual como de medo. O medo partilhado constitui uma transacção sexual fisicamente estimulante.
Digo eu.