O meu reino por uma baguete – Ep 6 – Polémica e Escandaleira

Como escrevi no Ep. 1, Paris é uma cidade que cresceu comigo. Mas fez no príncipio do mês um ano que cá estou a morar e, tirando queles 16 meses que cá passei desde que nasci e que não me lembro lá muito bem, nunca cá tinha ficado tanto tempo. Melhor ainda, nunca tinha vivido como um verdadeiro parisiense. Carta de segurança social, passe de transportes, seguros de saúde, essas tretas todos a que a sociedade moderna nos “obriga” para uma vida civilizada/regrada.

Um ano é também tempo para fazer um apanhado de algumas coisas que por aqui pude fazer, e da diferença monstruosa de realidades para com aquilo que vivi no Porto e Coimbra durante 12 anos da minha vida. O ponto mais importante a reter é o de ser obrigatório falar a língua para se poder singrar nesta cidade. Muitos franceses debatem-se furiosamente para conseguir ter um diálogo de 3 minutos em inglês, e nada indica que isso vá mudar nos tempos mais próximos. Logo, one must adapt to survive. É um ponto muito importante, porque ultrapassado este ponto, as oportunidades estão aí. Principalmente a nível cultural, desde o trabalhar a orientar turistas e visitantes em museus a ajudar na produção de eventos, as ofertas de emprego abundam. Eu tenho a sorte de ter cá casa de borla, e isso é uma ajuda enorme, porque as rendas aqui são qualquer coisa de absurdo. Se um ordenado minimo ronda os 1200€ por 35 horas de trabalho semanais, uma renda por uns 25m2 anda entre os 700 e os 1000€ por mês. Muita gente vai para os arredores onde as rendas baixam quase metade, mas não é a mesma coisa. Se um dia pensarem em emigrar, souberem o mínimo de francês e abandonarem o estereótipo do português “avec” e se deixarem da hipsterada utópica do “Londres é que é”, e decidirem vir para Paris, a primeira coisa a pensar será a de encontrar alguém com quem dividir renda/apartamento. Pensem também em vir já com perspetivas de trabalho. O site do pole emploi, o equivalente ao nosso iefp mas com ofertas de trabalho, terá certamente algo a propor na vossa área.

Depois, as ofertas culturais. Que dizer? Que passa por cá tudo o que vai, por exemplo, a Londres? É verdade que é uma realidade recente e que os franceses não sao conhecidos por serem muito adeptos do underground, mas tem vindo cá tudo. Ora eu num ano foi Ufomammut, Yob, Danava, Ancestors, OM, Pelican, Earth, Sleep, Godflesh, Melvins, Liturgy, para não falar nos concertos que perdi (como Mastodon……………, Naam, Radio Moscow, White Hill, WITTR, e piaí fora) nem no Hellfest. Estou a 2 horas de Londres, 3 de Amsterdão (4 de Tilburg), 1h20 de Bruxelas e a meio dia de Berlim no Nightliner, isto tudo de comboio porque não curto andar de avião. Teatros, óperas, museus, tudo isto numa quantidade que ultrapassa de forma inimaginável quem tem como realidade apenas as cidades portuguesas.

No entanto, tudo isto me deixa um sabor amargo na boca em relação a Portugal. Porque é que tinhamos que ficar encalhados ali atrás de Espanha? Hein, oh desenhador inteligente? É que muita gente não imagina o quão isto é fator de retrocesso cultural no país. Uma coisa é perceber que é longe, outra é receber mails de bandas a dizer que não querem ir aí por que é muito longe, que não lhes apetece atravessar Espanha (o que eu percebo) e assim privando os portugueses de muito boa banda que só decide fazer este percurso da Europa central. Depois, estar aqui, ter acesso a esta cena toda, e ver um governo destruir o pouco que sobrou da vontade portuguesa de fazer cultura, a começar por abolir o ministério da cultura. É vergonhoso eu ter que me virar para um parisiense (ou seja quem for) e dizer-lhes que Portugal não tem ministério da cultura. Que findaram os apoios ao cinema. Que cortaram quase na totalidade os apoios às artes. Isto tudo com a desculpa da crise, enquanto que o BPN derrapa com uns 2 mil milhões de ouros. Um país com pequenas promotoras que lutam para trazer cultura de vanguarda ao país, mas que são obrigadas a pagar mais iva sobre os bilhetes que vendem, que não podem vender caro porque os portugueses não gostam de dar mais de 5€ para ver concertos que não sejam no coliseu ou no alive. Muitas vezes sinto que tenho o dever de ajudar as coisas em Portugal, um sentimento algo estupidamente patriótico, mas outras vezes só tenho vontade de cruzar os braços e ver o barco afundar, tanta é a tacanhez que assombra muitas mentalidades portuguesas. Um dos mercados com maior crescimento no momento e com maiores perspetivas de futuro é o mercado das indústrias criativas. São muitos os artigos a fundamentar isto. Mas Portugal decidiu definitivamente voltar as costas a esta perspetiva. Afinal, sempre fomos um país de patrões e funcionários, de mandões e mandados, a nossa classe média só durou uns 20 anos e está na altura de voltar a por as coisas como eram e sempre deveriam ter sido. Isto deve ser o ponto de vista de quem conseguiu votar nestas pessoas que estão no governo.

Numa perspetiva global, Paris ainda é o sonho de uma democracia a funcionar. São raras as vezes que vamos num metro e ouvimos falar francês. E não, não são só turistas. Paris não é uma cidade francesa, porque Paris não tem nacionalidade. E para mim isto é algo de fantástico, porque era assim que o mundo, numa fantasia distante, deveria ser. Todas as raças do mundo misturadas, a trabalharem para o bem comum. Claro que, com toda esta crispação religiosa pós 11 de Setembro, o fanatismo também aumentou aqui, com reflexo em cada vez mais leis e restrições às nossas liberdades individuais e coletivas. Este e o problema da imigração ilegal e da falta de respostas adequadas a este flagelo, porque vemos cada vez mais pessoas a dormir nas ruas. No entanto, a promessa de liberdade ainda é forte e as noticias aqui não abrem com incêndios, ou que os franceses estão cada vez mais pobres, ou que o Ronaldo comprou uns chinelos de meter o dedo.

Para finalizar mantendo o espírito de guia turistico desta minha contribuição para o site, que tal irem até Bercy e visitar a Bercy Village? Uma espécie de shopping mas com a estética de, como diria o meu irmão, uma vila dos Estrunfes. Desde o cinema com dois virgula mil e sete salas, mais as lojas (boutiques) com coisas mesmo originais, e os restaurantes sempre muito bem ambientados, para quem quiser uma soirée bem passada é dar lá um salto.