O meu reino por uma baguete – Ep 7/8 – "Flandres"
A semana passada não pude prendar-vos com as minhas orações, estava demasiado ocupado a fazer roteiros Art Nouveau em Bruxelas e a esbangalhar o pescoço no Yellowstock Festival em Geel. Mas hoje compenso-vos com as notas sobre essa minha viagem.
Vamos começar por Bruxelas. Como tardei em comprar o bilhete de TGV, a solução mais económica que arranjei foi ir de autocarro e voltar de comboio. A diferença são duas horas a mais no autocarro e uma dor nas nádegas equivalente a andar numa carroça de bois pelas estradas de Cinfães do Douro em 1897. A viagem de TGV Bruxelas-Paris demora 1h15 minutos que passam sem que demos conta e apesar de atingir velocidades que rondam os 250km/hora, não se sente um único sobressalto.
Bruxelas é uma cidade relativamente pequena, diluida na imensidão de raças que aqui habitam ou que usam a cidade como passagem do centro/leste da Europa para o sul/oeste. Estive aqui apenas 3 dias no total, mas não consegui desvelar qual a sua identidade. Uma conversa com uma belga e deu para perceber que a falta de integração das comunidades imigrantes, especialmente as de origem muçulmana, é um problema grande e cada vez maior nestas cidades do centro/norte da Europa. É difícil não ficar um pouco chocado quando se ouvem histórias de como uma das diversões de alguns muçulmanos é a de ligar a polícias a dar conta de um qualquer falso assalto e quando a polícia chega são apedrejados. A minha amiga belga diz que fazem isso porque estão “aborrecidos” durante o Ramadão. Eu acho que é um assunto mais grave, que tem muito mais que ver com um choque brutal de culturas/ideologias que muito dificilmente poderão conviver de forma pacífica, num mundo onde a razão está novamente em guerra com a religião.
Bruxelas, para quem gosta de Art Nouveau, é um destino obrigatório. Lar de arquitectos como Victor Horta ou Gustave Strauven, fazer os percursos Art Nouveau é deparar-se com edifícios de uma beleza singular. Ás vezes pergunto-me porque certas formas de arte são “abandonadas”, quando o design destas construções é algo de absolutamente deslumbrante. O cuidado com as formas, os ornamentos cuidados ao mais ínfimo pormenor (como as maçanetas de portas ou caixas de correio) deixam qualquer um siderado. Quase como viver num qualquer mundo de fantasia. Não vou falar na cerveja ou nas frites, porque disso já todos sabem. Ou da estátua do puto a mijar. Como a cidade tem um sistema de aluguer de bicicletas em todo similar ao daqui de Paris, aconselho a quem possa andar pela cidade desta forma e apreciar a sua arquitectura tão característica do centro Europeu na viragem do século XIX/XX.
Mas o que me trouxe a Bélgica foi um festival de rock chamado Yellowstock, numa pequena vila chamada Geel a apenas 50km de Eindhoven. Se em Bruxelas basicamente se comunica em francês, nesta cidade só se fala flamenco ou inglês. Estranho país, onde quem é do sul tem que falar com quem é do norte em inglês para se entender. Mas independentemente disso, toda a gente na vila é muito simpática e o sossego que ali se respirava era algo que já me fazia falta. Chegado ao “recinto”, não poderia ter ficado mais satisfeito. De imediato me dei conta que, apesar do fest estar esgotado, o esgotado para esta gente significa todos terem espaço para andar, ver os concertos, comer, tudo sem os stresses de festivais maiores. Aqui também se podia entrar com o que quisessemos, sem necessidade de revistas manhosas, porque cedo se percebe que ali está uma grande família em que a boa fé e a confiança abundam. Tanto podemos consumir lá, como ir ao supermercado da vila, comprar cerveja e ir para o festival. Ninguém diz nada, ninguém quer saber, o que interessa é a música e um espírito de convívio já difícil de conseguir nos festivais de hoje. O recinto tinha relva, que sobreviveu quase intacta durante todo o festival. O mesmo com o campismo, onde conseguimos uma sombra permanente debaixo de uma árvore. E onde acordavamos, por exemplo, ao som de Acid King.
Se tudo isto não bastasse, os concertos abundaram em qualidade. Apenas duas coisas que me deixaram um pouco aborrecido: terem passado La Ira de Dios para quase duas horas antes e só ter descoberto isso quando cheguei das compras da vila e de ver que eles já tinham tocado; e o técnico de som do palco externo. Se há algo que um festival tem que ter são bons técnicos, é regra de ouro, porque eles podem estragar o concerto de algumas bandas, o que foi quase o caso. De resto, todos os concertos que vi foram bons. As minhas preferências vão para os grandes concertos de Kadavar, Seven That Spells, Naam e a surpresa Monomyth. Vou-vos deixar com algumas fotos e vídeos, e despedir-me até para a semana.