O pós-rock dos meus pais
Apesar do seu conceito ser explicado desde os anos setenta, a expressão post-rock foi inventada pelo crítico inglês Simon Reynolds (que se só agora se familiarizam com o seu nome, acrescento que escreve para as melhores publicações como a The Wire, por exemplo, e é autor de vários livros musicais altamente recomendáveis) após o disco Hex dos Bark Psychosis. Aplicou o termo para descrever o uso da instrumentação rock para fins não rock, ou seja, algo como as guitarras serem usadas como facilitadores do timbre e texturas em vez de riffs e acordes.
Estávamos em Março de 1994 e este espectro musical era tudo menos popular. Musicalmente, o pós-rock nasce muito antes, mas acaba por ficar associado a bandas cujo estilo musical era difícil de etiquetar. Falo dos Slint, dos Tortoise, dos Don Caballero, falo até dos Talk Talk. Estas bandas tiveram uma enorme influência na forma como o estilo foi conduzido e nessa mesma década o pós-rock viu nascer as maiores pérolas: os genuínos e de outro mundo que não este Godspeed You! Black Emperor, os Cul de Sac do Glenn Jones, os únicos Gastr del Sol de Jim O’Rourke, os também canadianos Do Make Say Think, os Mogwai que até ao Happy Songs… foram super prolíficos, os Sigur Rós cujo Ágætis Byrjun é de ’99… Podia continuar com exemplos mais subtis, mas este é um tópico sobre o último disco dos japoneses Mono (é?).
Há que dizer que o termo começou por significar a liberdade absoluta, o abandono das estruturas, composições e abordagem conservadoras do rock tradicional. Foi uma lufada de ar fresco até que bandas como os Mono ou uns Explosions in the Sky, que se formam na viragem do século e obviamente inspirados por tal prolificidade da década anterior, esquecem as ideologias e usam o seu som em todos os lançamentos. Nada de errado nisso, mas são tão boas no e como o fazem que era uma questão de tempo até termos uma saturação de wannabees a brincar com a fórmula com a qual já se goza tal o aborrecimento:
1 – Arpejos lentos
2 – Arpejos polifónicos
3 – Mais um acordezinho para enfeitar
4 – Aqui entra a parte complexa número 1
5 – Ouvem-se as baquetas de percussão nos pratos ou umas vassourinhas na tarola
6 – Os acordes começam a progredir e a bateria já dá ares da sua graça
7 – Mais uma passagem e guitarras e bateria pesadas
8 – Nova parte calma, parte complexa número 2
9 – Final pesado
Confessando que eventualmente posso estar a perder novas bandas que, levadas pela preguiça de um escriba, sejam colocadas no mesmo saco, único e interessante o espectro deixou de ser. Pede-se dinamismo, que se risque o excesso das partes lentas que nada são mais do que medicamentos com melatonina, pede-se um baixo vivo e com presença que não se limite a acompanhar, guitarristas criativos que não se refugiem nos efeitos da pedaleira, e uma bateria inteligente, simples mas inteligente.
Os Mono são uma banda que lutaram e continuam a lutar pelo que acreditam, tanto que dentro do que é o pós-rock instrumental, desenvolveram a sua personalidade. Impossível acusá-los de falta de genuinidade, de hipocrisia quando nunca recusaram a etiqueta, impossível acusá-los de maus discos (pelo contrário, são todos muito bons!). Beberam do mundo (muitos dos que lêem estas linhas não se lembram que antes de Serralves tocaram no Mercedes, por exemplo); souberam crescer, como pessoas e colectivo; aprenderam a desenvolver a sua própria fórmula e eis que chegamos a For My Parents, o disco que resume mais de uma década de carreira, que resume as tais margens pós-rockianas que desenvolveram e, goste-se ou não, é um grande disco. Ponto final.
A primeira vez que o ouvi ia-me revoltando por se estarem a repetir, mas como podia eu culpar alguém por trilhou o seu caminho ao seu ritmo e com a sua personalidade? Criaram o seu próprio género dentro de um género, progrediram até a um ponto onde o seu trabalho é único, comprometeram-se a fazer a sua música sem copiar ou ofender alguém. E fazem-no como ninguém. Aquele equilíbrio entre o lado cinematográfico e clássico… Coração aberto, como não estar?