O que faz um bom guitarrista?

Aprendi a tocar guitarra com 10 anos. Como é habitual no ensino deste instrumento, primeiro aprendi guitarra clássica, para depois passar para a eléctrica. Nunca primei pela técnica ou pelo virtuosismo. Toco o suficiente para a música que faço. Ponto. Sempre menosprezei o virtuosismo pelo virtuosismo, a técnica pela técnica, como é apanágio de muitos músicos (e ouvintes). E nunca apreciei os chamados “guitar heroes”. Por isso nunca gostei de Eric Clapton, Carlos Santana, Steve Vai, Joe Satriani, Jeff Beck, Stevie Ray Vaughan e afins. É certo que têm o seu lugar na história da música rock e da guitarra eléctrica, mas musicalmente dizem-me praticamente zero. É aqui que reside o fulcro da questão: posso reconhecer capacidades instrumentais e técnicas num guitarrista mas não me identificar, de todo, com a sua música. De resto, esta premissa é válida para muitos outros instrumentistas e intérpretes.
Aos tecnicistas ferozes, que debitam 30 notas diferentes a cada segundo (escalas atrás de escalas), prefiro sempre os guitarristas que fazem da guitarra um instrumento de combate sonoro. Guitarristas que dão mais importância à exploração tímbrica e rítmica do instrumento. Que abordam a guitarra com total emoção em detrimento da técnica. Guitarristas que preferem a subtileza e a simplicidade eficaz do que os solos intermináveis.
Bastam dois ou três acordes para fazer música interessante – depende é de como se utilizam e exploram esses acordes (o punk-rock é um exemplo). Neste capítulo, há melhores guitarristas do que os de blues? Bo Diddley, Buddie Guy, (o grande) Robert Johnson, Lightnin’ Hopkins, B.B. King, Big Bill Broonzy, Johnny Lee Hooker, Muddy Waters. Todos os grandes guitarristas – do rock ao jazz – aprenderam com os mestres dos blues. Foram os verdadeiros visionários no dedilhar das cordas da guitarra, como se esta fosse a manifestação sonora da alma humana.
Na história do rock há um nome incontornável e decisivo: Jimi Hendrix, considerado por muitos o melhor guitarrista de sempre. Tinha técnica, é verdade, mas a sua mestria foi posta ao serviço de ideias musicais incendiárias e de formas de tocar revolucionárias. Os densos riffs de guitarra dos The Velvet Underground, as malhas noise de Glenn Branca, de Lee Ranaldo e Thruston Moore dos Sonic Youth, os primeiros The Jesus and Mary Chain, o inventivo The Edge (U2), o rítmico Dick Dale, os inovadores Robert Fripp, Fred Frith, Jim O’Rourke e John Fahey, o elegante Ry Cooder, ou os inclassificáveis Sunn O))) são apenas exemplos de guitarristas que tocam com o coração nas mãos. Com um estilo totalmente distinto da mediania dos guitarristas mundiais, “guitar heroes” incluídos.
A revista Rolling Stone, citada pelo site Hotguitarrist.com, lançou mais uma das suas habituais listas em que se seleccionam os 100 melhores guitarristas de sempre. A questão é que nunca se sabe quais os critérios destas listas: o que significa “melhor guitarrista”? Aquele que corresponde ao paradigma da capacidade técnica ou aquele que priveligia a criatividade e a inovação? Seja como for, subjectividades à parte, o certo é que o primeiro lugar é inquesionável: o guitarrista canhoto que um dia cantou “Hey Joe, where you’re walking with that gun in your hand?”.
Nota: na imagem Glenn Branca
Post de Victor Afonso