Os discos de uma vida: uma questão mais difícil do que parece ser
Para a minha estreia neste espaço – que respeito e consulto diariamente –, tentei finalmente submeter-me a um exercício que, de ora em vez, surgia em conversas de café ou em divagações existencialistas: afinal, qual é o disco da uma vida? A nossa banda-sonora para aquela ocasião marcante dos anos que carregamos às costas?
À primeira análise, e como seres pensantes e dotados de inteligência que somos, sabemos que as nossas vivências e interacções (o que me levará a um texto nas próximas semanas, mas lá chegaremos) não se somam em números. Óbvio, não é? Tal como as estações do ano, ultrapassamos fases diferentes (com degelos e aquecimentos globais incluídos), logo é impossível eleger um só trabalho.
Confesso que tentei mesmo acabar o exercício, mas quando me apercebi, a lista já ia em qualquer coisa como 42 volumes… Obviamente que desisti do processo, mas deixo aqui alguns dos autores dos “discos da minha vida”; Jeff Buckley, Morphine, Portishead, Interpol, Joy Division, Radiohead, My Bloody Valentine, Isis, Smiths, Mazzy Star, Black Sabbath, Cult of Luna, José Mário Branco, Zeca Afonso, Tool, Beatles, Ali Farka Touré & Ry Cooder, Sun Ra, Genesis, Rodrigo Leão, Blonde Redhead, Bill Fay, Silver Mt. Zion, Sigur Ròs, Joni Mitchell, Cocteau Twins… Este é O eterno dilema de quem gosta de música.
Ainda assim, as minhas escolhas permitiram-me retirar algumas elações. A primeira é que raramente ouço 2/3 dos álbuns que mais me marcaram. Ora porque estes me levam para anos passados – e nós, animais de memórias, nem sempre gostamos de nos recordar do que está para trás –, ora por se tratarem de preciosidades tão especiais que preferimos guardar a sua audição para ocasiões e estados de espíritos igualmente preciosos. Contudo, a conclusão mais básica prende-se com a actualidade: haverá ainda originalidade musical? Ou será que necessitamos de uma originalidade quando o maior de tudo reside nos clássicos? Será que estas questões, sequer, interessam? Isto é, ao absorvermos algo novo, acabado de nos chegar aos ouvidos, é impossível não pensarmos: “Ah, isto recorda-me de X”. Ou, por outro lado: “Esta passagem faz-me lembrar aquilo que o Y fez no disco Z”.
A pergunta que se impõe a partir desta conclusão: será que toda (ou a grande maioria) a música dos anos 90 e 00 não é mais do que uma reciclagem? E que, como tal, temos mais pré-disposição a gostar de algo “novo” que nos recorde os nossos “discos de uma vida”? Na próxima semana, aprofundarei estas perguntas. Até lá, digam de vossa justiça.