Os Heróis e os Métodos #1
Ainda na ressaca de 2013, num palco onde a crise se instalou, posso afirmar que a festa não foi das melhores e por isso espero que este ano tenhamos todos força para lutar contra esta enorme dor de cabeça a que posso chamar de paródia política.
Em relação aos discos que tenho ouvido mais frequentemente, começo por destacar o “MCII” (2013, Merge) do Mikal Cronin, um dos melhores trabalhos do ano passado. Cronin calibrou a distorção e os ensinamentos ruidosos vindos da matilha do Ty Segall, para compor músicas rock com refrões que acertam sempre, mostrando uma sensibilidade pop que não abala em nada a potência deste disco. As influências vão do garage ao rock psicadélico. Cronin percebeu de que matéria são feitas as músicas dos Beatles, Love, ou mesmo as melodias do Jangle Pop. Confirmou que o In Utero dos Nirvana é um dos seus discos preferidos e ouvindo este “MCII” confirmo eu uma habilidade impressionante em aliar a distorção a grandes refrões.
O Adriano no seu post aqui na Amplificasom, referiu bem a influência que ainda hoje tem a música dos GY!BE (também lembrou os geniais Rachel’s), mas isto para destacar o entusiasmo que persiste em relação à editora Constellation. São muitos os artistas que aqui continuam a editar discos de qualidade, e verifica-se em alguns deles uma imersão e uma espécie de aculturação sonora que tem sido feita no médio oriente, seja através de projectos como Jerusalem in My Heart, Land of Kush (uma das muitas facetas de Sam Shalabi) ou Esmerine. Estes últimos decidiram dar corpo ao projecto – Bruce Cawdron saiu dos GY!BE, acompanhando Rebecca Foon (Silver Mt. Zion, Set Fire To Flames) e Jamie Thompson dos Unicorns, juntaram-se a vários músicos da cena de Istambul para laborarem num processo generoso de descobrimento intercultural que uniu todos estes músicos talentosos. Dalmak pode ser interpretado de muitas formas, uma delas tem a ver com a sensação de ser absorvido por algo, um estado contemplativo que caracteriza bem o que se retira deste disco.
Ainda em relação à Constellation, um dos discos que mais tenho ouvido e que tarda em se esgotar é o “Coin Coin Chapter Two: Mississippi Moonchile” da Matana Roberts. Felizmente tive a oportunidade de, através da Amplificasom, ver esta artista a construir, a tocar, a exprimir o seu enorme talento ao vivo, onde algumas das músicas de “Coin Coin Chapter Two” foram tocadas na sua forma crua e cheia de intensidade. Recorrendo a um grupo extenso de músicos, Matana foi capaz de contar as histórias do seu passado através de pautas sonoras diversas, sejam os cânticos que faz acapella, free-jazz, a liberdade artística que caracteriza o avant-rock ou até mesmo o blues. A narrativa que Matana Roberts tem feito na série de discos Coin Coin, revela-se como um dos exemplos mais ricos e entusiasmantes da música moderna actual. Um disco instrumentalmente desafiante e com uma alma enorme.
Continuando na senda dos heróis e discos que têm rodado nos últimos dias, tenho que destacar “Mel Azul” (2012, Mbari) do Norberto Lobo. A sua música merece o panteão dos melhores, por nos encher o peito das tão nossas nostalgia e saudade. Após uma residência artística em Cabo Verde, cravaram-se ainda mais nos seus dedilhados melodias e ritmos que vão muito para além do facilitismo que é chamar a tudo isto uma excelente descendência do american primitivism de Fahey etc. A música de Norberto Lobo é intrinsecamente portuguesa – por vezes parece que estamos a decifrar as modinhas das velhas gentes das aldeias – e é também rica e instrumentalmente complexa, fazendo das cordas da guitarra acústica um mapa para muitas histórias possíveis e inesquecíveis.
Para terminar apenas pequenas referências, um documentário que espero ver e quem sabe se não será no próximo Amplifest, chamado Learning to Listen, que procura acompanhar as diferentes formas e contextos em que se faz a interpretação do que percepcionamos como música. Estou também curioso para ver “Alive Inside: A Story of Music & Memory” que reforça o efeito que a música tem, neste caso aplicada a doentes com Alzheimer e que junta testemunhos como o de Oliver Sacks.
Por fim, estarei hoje na FNAC de Coimbra no Fórum para falar sobre um livro que serviu para unir estações de comboios, estações do ano e amizades – podem ver os detalhes aqui.