Os Heróis e os Métodos:…deste desconforto que nos desperta
Kevin Drumm – Sheer Hellish Miasma (Mego, 2002)
Já há muito tempo que mantenho um assunto mal resolvido com a malta do Harsh Noise, como por exemplo, Merzbow, Prurient, The Gerogerigegege etc. Se por um lado parece-me um tanto irónico chamar-lhe música, sobretudo porque parte desta cultura (ou contra-cultura) passa exactamente pelo afrontamento à própria melodia. Passa pela exploração do ruído das máquinas em contra-ponto com o corpo suave dos instrumento clássicos. Um tipo de música que também tenta rebater a urbanidade/industrialização que por vezes nos oprime. Neste trabalho Kevin Drumm regista um dos melhores exemplos do estilo, onde o drone é fervilhado com o noise. Engraçado ouvir estes temas observando as barras do equalizador, quase todas no limite. Será este objecto artístico bom? Será algo a revisitar ou vale apenas pela experiência em si mesma (muitas vezes irreplicável)? Deixei o disco rodar algumas vezes, procurei diferentes pontos de vista, aumentei e baixei o volume e em certas partes senti uma sensação de entusiasmo no mínimo viciante.
The Caretaker – Patience (After Sebald) (History Always Favours the Winners, 2012)
Admirável a música que Leyland Kirby tem feito – também conhecido como The Caretaker. Um exercício revivalista das nossas memórias e das nossas emoções, drones e música ambiental que parecem querer libertar o nosso subconsciente. Parece que estamos a ouvir velhas grafonolas a rodar discos antigos. Leyland agarra nestes sons de música clássica (neste caso de Schubert) e molda-os, despedaça-os, dá-lhes outra vida – “suja” a sua cândida harmonia. Ao ouvir este trabalho surge-me a imagem de um velho louco que passa dias a ouvir rádio mas que não distingue o ponto entre a emissora e o ruído – fica num limbo, esse limbo é o da vida, da doença e da saúde, da fortuna e da pobreza. Nas colunas despertam pianos, provavelmente abandonados, que choram os dedos que partiram… Bonito e desconcertante.
Walter Franco – Ou Não (Continental, 1973)
Pensei em teorizar acerca deste disco ser uma tremenda maluqueira, mas acho que após o primeiro tema em que Walter canta repetidamente feito hippie desvairado: “…eu quero que este tecto caia!”, acho que está dado o atestado (a capa é conhecida como o “álbum branco” – apenas com uma mosca de passagem). Explosivo nas palavras, mestre do desconforto, música folk inflamada de devaneios, repetições vocais, música popular brasileira… Um trabalho que se afirma ainda mais provocante do que o colorido tropicalista que marcou a época. “Araçá Azul” de Caetano Veloso, ou os trabalhos de Itamar Assumpção e Jards Macalé são talvez os parentes mais próximos, mas Walter está mais perto de um estatuto de Syd Barrett, doido e vanguardista, do que outro músico qualquer.
Boa semana….