Os Tambores da Morte
Mesmo após tantos séculos de entrosamento entre a nossa cultura e o continente africano (nem sempre com as melhores motivações), este pedaço de terra continua a impor um fascínio imenso sobre nós.
África estará sempre relacionada com algo selvagem, impenetrável mas que ainda assim é intrínseco a nós. Algo primordial.
Recentemente, o meu trabalho no projecto industrial Sektor 304 abriu-me portas para este universo e rapidamente o invadiu.
Este disco do qual venho aqui falar aqui é provavelmente um dos que teve maior impacto em mim.
“Drums of Death – field recordings from Ghana”, tal como o nome indica, é um registo focado apenas em percussão, tendo sido gravado numa liturgia com sete percussionistas acompanhados das intervenções de diversos locais com pequenos instrumentos e é um bom exemplo daquilo que pode ser considerado musica ritual africana. Engane-se no entanto, aquele que remete o termo ritual para uma conotação de teor mais ambiental. O lado ritual neste registo reside na capacidade xamânica que a percussão exalta através de um lado de exaustão e exagero rítmico. Mais que pensar no ritmo como base ou condutor para outras camadas sonoras, aqui ele assume o papel principal, entrando rapidamente num frenesim criado por múltiplas camadas rítmicas que se complementam ou desconstroem mutuamente. Assim como no “drone” visto pela óptica de Sunn O))) onde nos alienamos de valores melódicos ou rítmicos pela alteração da escala do tempo (este supera a nossa percepção) para nos focarmos em aspectos como a tonalidade, reverberação e afins, aqui estamos igualmente perante uma destruição do ritmo, onde este deixa de ser devidamente perceptível enquanto cadencia para se transformar em textura, densidade e no final em puro êxtase. Todo o disco flui através de matrizes rítmicas intrincadíssimas que induzem um sentido psicadélico ao registo. Importante também é relembrar que este é um ritual é um acto colectivo. Não nos é permitido separar as partes do todo. O jogo é realizado com a massa, mais do que um disco, aqui temos um evento, uma acção, com os corpos em delírio e com os sentidos inebriados, mas ainda assim em alerta. É uma força dionisíaca e nunca de Apolo. É a dissolução do ego pelo meio mais primitivo e por isso mesmo, o mais honesto e bruto.
Ouvir este disco é subir o rio no livro de Joseph Conrad. É ir onde nem todos têm coragem de ir.
O mais interessante é ouvir isto, tomar fôlego e depois pensar em Test Dept ou Einstürzende Neubauten!
Quem gostar, que tente ouvir o igualmente fabuloso Drummers Of The Societe Absolument Guinin – Voodoo Drums.
Texto e ilustração de André Coelho