Pauleatoriedades: Mão Morta
Os Mão Morta são a melhor banda rock da história da humanidade.
Normalmente, uma afirmação destas seria o catalisador de toda uma série de discussões, insultos, acusações de ignorância, e, quem sabe, a ocasional concordância. Nada disso é importante. Os Mão Morta são a melhor banda rock da história da humanidade. A factualidade da frase impede o seu estudo. Escrever “Mão Morta” é, apenas e só, dar expressão ortográfica ao logos.
O homem não cresceu verdadeiramente se em algum ponto da sua vida não lhe foi dado a escutar esta visão insofismável do mundo sob a forma de uma cassete homónima, onde um tema como “Abandonada” – na sua versão mais visceral – dura, não quatro minutos, mas quantos forem precisos até a cicatriz da ferida que nos abre na pele desvanecer. (Não desvanece.)
Dizer que as palavras dos Mão Morta são a mais pura poesia alguma vez escrita é insultar os Mão Morta. A literatura é inútil – arde. “Quero Morder-te As Mãos” é um incêndio, a personificação da luxúria com acompanhamento de guitarra e bateria.
Na verdade os Mão Morta não são uma banda rock. Estão para além dessa rotulagem estilística. Há Deuses, que nascem e que morrem, há o tempo e o espaço, e depois, para além da existência em si, estão álbuns bipolares, esquizofrénicos, loucos como Vénus Em Chamas ou Nus, cuja expressão corpórea é a facilidade que benevolentemente nos concedem para que nos possamos dar conta de si. Não merecíamos. Mas agradecemos.
Os Mão Morta são, verdadeiramente, a única banda sobre a qual tenho medo de escrever. Não só porque, como podem constatar, descambo sempre para o terreno da estupidez, mas porque nada que escreva lhes fará justiça. Há bandas que amo e sobre as quais me limito a debitar razões pelas quais as amo. Não preciso de uma razão para gostar de Mão Morta: ela está ali, nas canções deles.
Os Mão Morta estão comigo há anos, desde que a Internet me deu a possibilidade de ouvir todos os seus discos de uma assentada. Ainda não agradeci ao tipo que fez esse upload no velhinho Emule. Espero que ele me esteja a ler. Entretanto, tenho uma cópia de 99% das coisas que a banda editou, faltando apenas uma: “Hotel Paradis (Tropical Mix)”. O Mutantes S.21, com a banda-desenhada, é um dos meus tesouros vinílicos. Os Cantos de Maldoror, que descobri por eles ainda antes de o apresentarem em formato musical, são o segundo melhor livro que já li. Tenho uma setlist do último concerto que vi deles, na TMN Ao Vivo, religiosamente colada na parede.
Os Mão Morta fazem juz ao seu nome. Tal como numa situação de guerra nuclear, no caso de o rock ser violentamente abalado os seus discos serão lançados ao mundo numa última réplica suicida. Sim, eu sei que eles não derivam o nome daqui, mas de um outro termo legal. Estava a tentar uma piada.
A “Cães de Crómio” faz-me querer dançar nu e encharcado em ácidos num campo aberto e deserto tendo apenas a lua por companheira. E fico sempre triste quando numa reportagem sobre violência policial nunca colocam a “Bófia” como som de fundo. Seria serviço público.
Até o Rui Veloso e os Xutos & Pontapés soam a algo bom quando cantados por ALC. É também por culpa dele que os Santa Maria Gasolina e, recentemente, os Black Bombaim atingiram um estatuto transcendental. Talvez não tanto por culpa dele, mas ajudou.
A mulher que eu amo e que me despreza odeia Mão Morta devido a factores externos. Numa situação em que tivesse de escolher entre a sua morte e apagar um .mp3 dos Mão Morta do meu portátil, eu lançá-la-ia de um penhasco sem pensar duas vezes. Sem pensar uma vez, sequer. E amo-a de morte como se amam as mulheres que nos desprezam.
http://www.youtube.com/watch?v=nOVzDQ0ng-E
Se alguma vez os Mão Morta actuarem no Milhões de Festa – a Fátima dos festivais nacionais – o universo desaparece tal será o tamanho do buraco negro gerado pelo conluio de duas forças do Divino.
Gostaria de ter criatividade suficiente para encher páginas com poemas sobre os Mão Morta. Mas não sou um objecto poético, escrevo prosa, e só coloquei aqui este ponto para os poder citar (não os citando verdadeiramente porque a expressão não é deles, mas vocês perceberam. Alguns.).
Uma vez, num bar, não reconheci imediatamente uma canção dos Mão Morta. No dia seguinte auto-flagelei-me um sem-número de vezes. Ainda tenho as costas em crosta.
Nem o facto de “Como um Vampiro” ser uma canção sobejamente grotesca me retira a fé que neles tenho. Nesse mesmo disco, eles voltam a superar-se através de uma malha intitulada “Tiago Capitão”. Expiar as suas falhas torna-se, desta forma, inútil. Quais falhas?
São indubitavelmente a melhor banda que já actuou no Rock In Rio e ainda nem subiram ao palco.
Ouço-os há quase dez anos e ainda não me cansei de o fazer.
Escolhi-os para último tema do meu período de dois meses na Amplificasom porque não me iria perdoar se o não fizesse. Já agora: em todos os meus posts coloquei uma pista daquilo de que falaria na semana seguinte. Foi uma brincadeira engraçada e ajudou-me bastante a ter assunto. Claro que ninguém reparou. 🙁
Posto isto, resta fazer um top 10 das minhas malhas favoritas dos Mão Morta como última despedida. Até qualquer dia.
E ouçam-nos.
MELHOR BANDA DE SEMPRE.
10. Anarquista Duval (Revisitada)
9. Cães De Crómio (Vénus Em Chamas)
8. Escravos Do Desejo (Vénus Em Chamas)
7. Amesterdão (Mutantes S.21)
6. Sobe, Querida, Desce (À Sombra De Deus – Volume 3)
5. Desmaia, Irmã, Desmaia (Corações Felpudos)
4. Bófia (Revisitada)
3. B(r)osh, É Bom! (Entulho Sonoro I)
2. Quero Morder-te As Mãos (Revisitada)
1. Abandonada (Mão Morta – K7)