Pauleatoriedades: S.V.E.S.T.
Um tempo houve em que o Black Metal era a minha vida. Foi na minha fase de revolta adolescente, na altura em que procurava no barulho uma forma de destilar ódio e uma raiva perturbadora, adormecida – já que, nesse mundo a que chamam de vida real, era e sou o tipo mais c*nas que terão a oportunidade (ou não) de conhecer. Ouvia tudo o que era clássico: Burzum, Gorgoroth, Darkthrone, Mayhem, Bathory e, claro, a nata nacional, como Corpus Christii ou várias das malhas dos Moonspell oldschool. Depois, comecei a querer ter relações com miúdas e passei a dedicar-me à pop. O bichinho pelo ruído e pelo neurónio frito, esse, continuou sempre por cá. Talvez seja por isso que, mesmo tendo abandonado o BM à sua sorte (nos últimos três anos os discos do género que ouvi contam-se pelos dedos das mãos e metade são de Burzum ou Drudkh), continuo sem ter relações com miúdas. Ou talvez seja por ser um gordo feio com a mania que tem piada.
Vá, agora sem o estereótipo metaleiro: eu adorava e continuo a adorar Black Metal, mesmo que por agora ouça pouco. E um dos discos que adorei à primeira audição e ao qual regresso, nas tardes invernosas em que 83% da população se encontra fechada em casa a comer torradas e eu vou passear para a chuva e o frio, é este Urfaust, disco de 2003 dos S.V.E.S.T., banda francesa que, se não me engano, já passou por cá, por isso não me vou pôr a pedinchar nada como o fiz na semana anterior, e da qual não se ouve falar desde 2008, data em que lançaram um pequeno EP, segundo consta no metal-archives.com.
E falo dele porque, da primeira vez que o ouvi, alterou toda a minha percepção do que deveria ser o Black Metal. Foda-se: alterou toda a minha percepção daquilo que era a música, algo que só John Cage e a 4’33 repetiram. Urfaust não é um disco, é um assombro. É uma torrente de ruído, de riff satânico, de explosões rítmicas, uma arma de guerra destinada a empapar o cérebro de qualquer prisioneiro. É a banda-sonora da violação de um cadáver putrefacto. É um disco do caraças e deveria estar junto da galeria horrenda do BM ao lado dos nomes supracitados. São só três malhas, mas basta ouvir a “Putréfiance Rédemptrice” (nome bonito, é uma love song) e toda a sua violência a embrenhar-se nos tímpanos. Cavalgada militar, guitarras a fuzilar e, aos oito minutos, uma quebra total para um solo estupidamente psicadélico, isto se sobrevivermos oito minutos: os mais fracos de mente serão inevitavelmente conduzidos ao suicídio se ouvirem meio minuto da glossolalia do vocalista (ou então é ele que fala num francês muito rápido). De cada vez que leio opiniões de pundits conservadores norte-americanos que acham o Marilyn Manson um perigo para a juventude, rio-me e penso neste disco. E depois sinto uma vontade enorme de matar pessoas.
Hoje posso ser um tipo que gosta genuinamente de chillwave e que entregou há muito o seu metalcred às autoridades competentes (bem, quando o Black Metal era a minha vida também gostava – e muito – dos Cradle of Filth, por isso acho que nunca tive tal coisa). Mas continuo a achar Urfaust um dos melhores discos não só do género como da década anterior. Demasiado selvagem para ser contido num CD, num vinil ou até numa drive externa. Estou a tentar reouvi-lo agora e já é a terceira que se queima.