Pseudo-Artigo
Abstract: Debruçamo-nos neste trabalho sobre o estudo de bandas de heavy-metal como exemplos de empreendedorismo criativo e cultural, caracterizando-as através do framework de empresas Born-Global: empresas jovens, pequenas, e que se internacionalizam rapidamente após a sua criação. Concentrar-nos-emos mais especificamente nas opções que tomam em termos de coordenação de gestão e práticas negociais, sugerindo que estas bandas/empresas diferem entre si no que diz respeito a quatro áreas principais de actuação – gestão, marketing, distribuição, touring – e distinguindo abordagens gerais de gestão orientadas para o negócio e orientadas para o artista.
1. Introdução
O empreendedorismo criativo e exportação cultural são fenómenos interessantes em vários domínios – moda, cinema, música, design, etc. – especialmente em economias pequenas e abertas como o caso português. Tem-se observado um considerável potencial de crescimento nas indústrias criativas, apesar de a exportação musical estar ainda pouco estudada nos meios académicos e fornecer um cenário interessante para vários estudos e disciplinas.
2. Objectivos e metodologia
Este estudo é parte integrante de um projecto de pesquisa que investiga as estruturas e práticas de exportação e globalização de bandas de heavy-metal, tendo como objectivo a identificação de abordagens genéricas à exportação cultural (com particular incidência sobre a música), das práticas de management de grupos musicais, e da coordenação das actividades de exportação em torno da oferta criativa. Duas bandas foram estudadas através de uma abordagem de case-studies qualitativos, equiparando-se estas a “empresas” dentro do framework de exportação cultural; com a abordagem qualitativa que potenciam, e a recolha de dados em cenários transfronteiriços e interculturais, o estudo de case-studies adequa-se particularmente aos nossos objectivos exploratórios e descritivos, sendo um método privilegiado de análise em qualquer currículo académico na área de Gestão e Economia.
3. Empreendimentos Born-Global como base teórica
As “Born-Global” (BG) são empresas jovens e pequenas que muito cedo internacionalizam o seu negócio, e que na generalidade provém de economias pequenas e abertas (SMOPEC), tais como Portugal, Finlândia, Nova Zelândia, etc. O estudo de BG no campo da gestão empresarial data do início dos anos 90. Estas possuem um maior peso na competitividade deste tipo de países do que em grandes economias, reflectindo assim o domínio dos factores push (dimensão, abertura e localização) na sua resolução em globalizar-se; a dimensão de um mercado SMOPEC é, quase sem excepção, maior no mercado global do que perto de casa (uma força de pull), e países como a Suécia, com 8 milhões de habitantes, e a Finlândia, com apenas 5 milhões, são exemplos clássicos de exportadores intensivos de heavy-metal, dado que, devido à pequena dimensão dos seus mercados internos, uma internacionalização fácil e rápida dos seus grupos musicais é a única forma de eficazmente escalar o seu negócio, e, assim, sobreviver.
A escolha desta abordagem teórica é justificada por este tipo de bandas cumprirem os requisitos principais de empresas Born-Global (BG): oferecem produtos com potencial de mercantilização global, combinam esse potencial com uma capacidade empreendedora na busca de métodos de internacionalização acelerada, têm uma visão global, e são empresas independentes. Dependem única e tacitamente do seu know-how para sustentar a sua vantagem competitiva, os seus elementos muitas vezes custeiam o desenvolvimento de produtos com fundos próprios ainda antes de efectuarem as primeiras vendas, constroem redes de larga escala com parceiros de negócios, usam a Internet como um canal de marketing, e, muitas vezes, usam Empresas Multinacionais (MNE) para distribuir e licenciar os seus produtos.
A contribuição deste estudo é dupla pois contribuirá para o desenvolvimento de um framework inicial para o estudo de formas eficazes no acesso a mercados internacionais de música, e, para além disso, acrescer à compreensão das similitudes e diferenças na gestão e coordenação de actividades de indústrias culturais Born-Global.
4. Características de Born-Global na indústria musical
As BG têm diversas características que as distinguem de outras organizações. Neste capítulo, analisam-se estas características analisando a sua adequação aos nossos casos de estudo, identificando-se quatro categorias principais.
Primeiro, são empresas geralmente pequenas em tamanho e jovens em idade. Estes factores proporcionam-lhes uma adequada flexibilidade interna, se bem que, no entanto, muitas vezes causam também dependência financeira e, portanto, desafios. É um dado comum bandas de heavy-metal serem originalmente estabelecidas por amigos ou conhecidos e, mais tarde, avançarem para uma fase mais séria atingindo o mainstream.
Em segundo lugar, as BG lidam geralmente com produtos inovadores voltados para nichos de mercado. As rápidas mudanças na procura originam uma necessidade por produtos personalizados, os quais, por sua vez, criam estes pequenos mercados onde podem ser alcançadas economias de escala através da venda directa a consumidores individuais e retalhistas de pequena dimensão. As BG têm a vantagem sobre grandes empresas que muitas vezes não são capazes de se adaptar rapidamente a novas exigências dos mercados internacionais. O heavy-metal, apesar de sua popularidade actual, é uma categoria altamente internacional e fragmentada da música, onde nichos globais são muitas vezes criados a partir de rótulos nacionais específicos, como “New Wave of British Heavy Metal”, “Bay Area Thrash Metal”, “Norwegian Black Metal” e “Swedish Death Metal”. Observamos no nosso estudo que tanto os ABC como os XYZ atingiram em grande medida a popularidade por terem conseguido desenvolver conceitos inovadores e dinâmicos dentro deste tipo de sonoridades.
Em terceiro lugar, a distância física em relação aos mercados alvo não é um factor negativo para BG, pois na verdade elas tendem a especializar-se na pesquisa e exploração de redes de cooperação internacionais, trabalhando através de uma combinação de canais, empresas e parceiros de negócio diversificados, e fazendo o outsourcing de competências fora do seu know-how base. Diferenciando-se de redes especificamente nacionais, as BG estabelecem contactos transfronteiriços e fazem uma virtude da falta de rotinas fixas e da capacidade de adaptação das suas estratégias de internacionalização às necessidades pontuais do mercado. Ambos os casos de estudo construíram redes internacionais de parcerias e distribuição com configurações específicas que lhes permitiram fortalecer a respectiva liberdade artística do seu conceito musical.
Em quarto lugar, o núcleo de competências de empresas BG, neste caso particular, grupos musicais, é sempre o desenvolvimento do produto, a criação e execução de música, pelo que frequentemente usam MNE (Universal Music Group, Sony Music, etc), como integradoras de sistemas ou clientes para a distribuição ou licenciamento global dos seus produtos e serviços. As suas receitas correntes principais provêm de gravações (royalties), merchandise e tournées, pelo que podem fazer o outsourcing do management, booking, manufactura e distribuição de produtos (físicos e digitais) para agentes especializados em todo o mundo. Muitas bandas são também patrocinadas por fabricantes de instrumentos e equipamentos.
5. Práticas de exportação de ABC e XYZ
Concentrar-nos-emos em seguida nas características das duas bandas em análise, ABC e XYZ, interpretando os aspectos que lhes permitiram competir contra a concorrência nos mercados internacionais, e, mais especificamente, mapeamos os mecanismos de coordenação relati
vos às práticas de gestão e negócio destas companhias.
Ambas as empresas em estudo têm produtos exclusivos baseados num alto nível de talento musical em termos de composição e habilidade técnica, usufruindo de total liberdade artística. Ambas as bandas criaram um conceito original que era uma novidade para o sector no momento da sua estreia, e este, sugestivamente, foi um importante factor do seu sucesso. Ambas as empresas criaram redes de cooperação e utilizam recursos externos na fabricação e/ou distribuição, o que lhes permitiu a respectiva globalização independentemente dos seus recursos limitados.
Constata-se no entanto que os métodos pelos quais elas formaram estas redes são significativamente diferentes, facto que se reflecte no processar das operações comerciais desses grupos. Existem diferenças em termos de management, organização de digressões, bem como nas práticas de comercialização e distribuição, que serão discutidas, respectivamente, neste capítulo. Para descrever e comparar estas duas empresas, discorre-se acerca das suas biografias, inserindo as suas formas específicas de internacionalização para, posteriormente, serem comparadas.
5.1 Descrição das duas empresas-caso
Os ABC formaram-se em 1993 em Freixo de Espada à Cinta, por António José (guitarra e vocais) e Josefino Maria (bateria). No final de 1996 a banda assinou um contrato de três álbuns com a Discossete, dando o seu primeiro espectáculo fora de Portugal em 2000. Estavam prestes a ser distribuídos nos EUA pela Estouro Nuclear em 2000 quando esta faliu, e, consequentemente, a sua entrada neste mercado sofreu um atraso, não se concretizando até 2003 quando a Media Século licenciou o seu quarto álbum “Batata Frita e Peixe-espada”. Os álbuns seguintes foram lançados pela Marisco Records, uma filial da Universal (que tem um contrato de gravação mundial com a banda). Até agora os ABC venderam 500 mil álbuns mundialmente, sendo que o virtuosismo de António José tem sido reconhecido nos meios musicais, levando à sua consagração na revista Mundo do Ukelele como o mais promissor jovem guitarrista de 2010.Os XYZ foram fundados por Sófocles Aristóteles (teclados), na Arroteia em 1997. Logo depois de gravarem a sua primeira demo, a Discossete (a mesma empresa que assinou os ABC), lançou o primeiro longa-duração “Avé Maria cheia de Desgraça” (1997). No Outono de 2001, Avô Cantigas deixou a Discossete e começou a trabalhar como manager dos XYZ. Aí estes eram já uma banda estabelecida nos mercados europeus, sendo que em 2001-2002 mais de 150000 pessoas viram a “XYZ World Tour of the Alphabet”. No mesmo ano, os XYZ assinaram um novo contrato de gravação nos EUA com a Papa-Léguas Records – os seus álbuns anteriores tinham sido licenciados nos EUA pela Media Século. Os XYZ não têm um contrato global com nenhuma discográfica, usando assim editoras diferentes em mercados diferentes. Para o seu quinto álbum, “Sacristia” (2004), os XYZ usaram uma orquestra real que custearam com fundos próprios, atingindo assim o topo das tabelas europeias, algo que uma banda portuguesa nunca tinha conseguido até então.
5.2 Práticas de management
Em termos de abordagens de gestão genéricas, estes dois casos envolvem práticas bastante diferentes para a Europa. Desde 2007 que os ABC usam uma empresa de management independente, especializada em mercados europeus e os XYZ, por sua vez, utilizam uma equipa de management global que gere as relações com managers locais subcontratados.
Mais detalhadamente, os ABC são geridos na Europa pela empresa alemã Giggety-Goo GmbH, uma sociedade que gere a carreira de outras 6 bandas e é booker de outros 17 artistas. Nos EUA, os ABC associaram-se a uma empresa diferente, a Pupu Inc., que tem 16 clientes. A banda mantém reuniões oficiais com ambos os managers regularmente, mas a relação entre banda e gestores é puramente profissional. Em suma, os ABC estão à cabeça de duas redes diferentes, uma na Europa e outra nos EUA.Em contraste com os ABC, os XYZ são geridos por um único management, a Cholé Entertainment, com quem a banda interage de perto, com uma postura mais baseada na amizade do que profissional. Tal como os XYZ, a Cholé é uma empresa portuguesa. O gerente era já amigo íntimo dos membros da banda antes de se tornar no seu manager oficial. A Cholé, por razões legais, formou mais tarde uma subsidiária nos EUA, contudo ainda são as mesmas pessoas que lidam com toda a gestão globalmente. Estas seguem a banda a todos os seus eventos, o que não é típico no caso dos ABC, existindo relações muito pessoais e individuais com cada um dos membros da banda. Assim, tanto o managing como o networking dos XYZ assumem um carácter integrado e uma rede social íntima. A relação dos artistas com o seu manager não está claramente definida, mas amalgamada numa base ad hoc (pelo menos em interacções sociais sobre assuntos não-profissionais).
5.3 Digressões
As digressões são a actividade de marketing mais importante no campo do heavy-metal. As vendas de álbuns normalmente aumentam significativamente após cada tournée. Enquanto na Europa as distâncias entre concertos são relativamente curtas, os EUA, por exemplo, são um mercado desafiador pois as distâncias geográficas são muito acentuadas, e é muitas vezes impossível cobrir todas as cidades importantes, mesmo com uma digressão de seis ou sete semanas. Os concertos são organizados e agenciados por elementos locais. Os ABC começaram a sua primeira digressão pelos EUA após o lançamento do seu quarto álbum em 2003, sendo que a sua primeira tour como cabeça de cartaz ocorreu em 2005. A banda acompanhou outras bandas de heavy-metal, incluindo alguns nomes maiores como Matador, Megamorte e Cordeiro de Deus. Este tipo de associação é sempre um risco financeiro e, portanto, considerado um investimento para o futuro: a banda raras vezes é ressarcida pelo seu trabalho mas a exposição que recebe (provinda de um público maior), pode aumentar as vendas drasticamente e, consequentemente, compensar a longo prazo. Nos EUA, os ABC são clientes de uma grande agência de booking com mais de 1.000 artistas e 50 agentes. Diferindo dos ABC, os XYZ usam um agente independente para os EUA, João Ratão, que é também parceiro da Cholé Entertainment, a empresa de management dos XYZ para os EUA. Devido à fragilidade da voz do seu vocalista, os XYZ fizeram menos digressões do que os ABC. A banda fez a sua primeira visita aos EUA em 2003, e, depois, viajou outras quatro vezes para tournées de duas a cinco semanas, todas elas com um aumento progressivo na afluência; estas digressões tiveram sempre bandas de suporte, mas também elas clientes da Cholé Entertainment (divisão portuguesa).5.4 Marketing e práticas de distribuição
Os ABC foram introduzidos no mercado americano pela Media Século, que se interessou na banda após o lançamento do seu quarto álbum. Tinham um contrato mundial com a Universal através da Discossete (propriedade da Universal), mas a Universal não estava naquele momento interessada em editar essa gravação nos EUA; a Media Século fez então um contrato de licenciamento com a Universal e o álbum foi lançado e distribuído nos EUA; estes organizaram ainda tournées para os ABC e investiram no marketing local da banda. Esta foi bem aceite pelo público americano e a Universal lançou assim o álbum seguinte através da distribuidora Marisco Records, uma empresa independente de distribuição detida pela Universal. A Marisco trabalha também em estreita colaboração com a Discossete e a PSE (marca que fabrica as guitarras usadas pela banda), e na criação de campanhas de marketing para, por exemplo, Amazon e iTunes.Os XYZ foram licenciados nos mercados americanos logo após o lançamento de seu primeiro álbum pela Media Século, e são hoje aí distribuídos pela Papa-Léguas Records, a sua discográfica nos EUA. Os quatro primeir
os álbuns são licenciados nesse país através da Marisco Records, que é a editora dos ABC nos EUA. De acordo com um representante da Papa-Léguas, a execução de digressões e a exposição na imprensa são os únicos métodos sensatos de marketing de bandas estrangeiras em mercados americanos. A Papa-Léguas é uma discográfica global, mas distribuem os XYZ só os EUA e Austrália. Como os XYZ não viajaram ainda muito através dos EUA, não têm explorado plenamente o seu potencial nesse mercado.
6. Conclusões
Assim, as abordagens de ABC e XZY em relação ao management, digressões, comercialização e distribuição diferem notavelmente. Com base destas diferenças, propomos o reconhecimento de duas estratégias alternativas; uma orientada para o negócio (ABC), e outra para o artista (XYZ). A rápida internacionalização do ABC foi “estritamente profissional”, voltada para o negócio, ao passo que a internacionalização do XYZ, tem sido mais “social”, ou voltada para o artista. Ambas as bandas entraram em mercados desafiantes e conseguiram neles criar redes funcionais de empresas e indivíduos. Sugere-se, portanto, que ambas as estratégias, quando bem implementadas, podem levar ao sucesso.
Através dos casos de duas bandas de heavy-metal portuguesas o trabalho apresentou
uma aplicação da teoria de empresas “nascidas globais”. Este estudo arranhou apenas a superfície desta problemática, e uma investigação mais profunda é necessária para construir um bom contributo para o estudo deste fenómeno emergente. Não obstante, o nosso estudo inicial mostra que os modelos de negócios a aplicar às indústrias criativas devem apoiar as suas características únicas, e que as parcerias entre músicos/empreendedores culturais e outros profissionais são uma fonte de vantagem competitiva sustentada.