Taking the long way home… through Helsinki.


A Finlândia é um país que me é particularmente caro, por lá ter vivido e estudado durante uns tempos largos. Claro que, com o tempo extra-curricular disponível, me fui dedicando à exploração de um meio musical alternativo que tem algo de mítico, especialmente por entre as demais comunidades metaleiras do resto do mundo. O que se pode dizer, com o conhecimento de causa, é que é tudo verdade. O heavy metal é aceite e tido como normal de uma forma que na maior parte dos sítios só se pode sonhar, e a relação de músicos conhecidos per capita é assustadora – literalmente andamos a chocar com eles na rua, até porque Helsínquia, para uma capital, é uma cidade bastante pequena. Os sítios a visitar em peregrinação musical também são mais que muitos – desde a loja da Spinefarm, até ao Tavastia, sala mítica de concertos que ainda tem o Semifinal agarrado para eventos mais intimistas, passando pelo Corner Bar, onde muitos copos se beberam com gente suficiente para fazer aqui algumas linhas de name-dropping. E talvez um dos locais onde gastei mais dinheiro em toda a minha vida, a melhor loja de discos do mundo, a Music Hunter. Tenho uma t-shirt do raio do estabelecimento, acho que isso revela bem o tipo de ligação umbilical estabelecida.

Mais fascinante que isso tudo é a paisagem natural e o espaço que se tem para respirar, mesmo em pleno coração de Helsínquia. É uma cidade, e um país, de vistas amplas, de espaços verdes (ou brancos, no inverno), de vida descansada. De casas de campo, de sauna e de empregos que não nos matam por dentro devagarinho. De gente culta, calma, de profundo sentido cívico, mas que gosta de beber copos como ninguém, que tem uma tendência para o bom gosto musical assinalável, e que todos os anos gosta de celebrar isso num dos festivais mais peculiares da Europa, o Tuska Open Air.


(foto: Henri Käck)

O Tuska é, de certa forma, o reflexo do magnífico equilíbrio de Helsínquia, uma metrópole, uma capital europeia, que no entanto se percorre a pé e onde nos sentimos com a pacatez de uma cidade pequena. O Tuska, por um lado, é um grande festival de metal, onde tocam algumas das bandas mais reputadas do género, tem três palcos (um principal e duas tendas secundárias – e sim, uma é de circo! Há aqui um padrão…) e a partir das fotos não se nota grande diferença para um Wacken ou Hellfest em ponto pequeno. Mas, por outro lado, é um festival onde não há lama, onde não é preciso acampar, onde as casas de banho estão sempre limpas, onde podemos entrar com as nossas próprias bebidas (e os finlandeses, meus amigos, são peritos em levar coisas de cores altamente suspeitas dentro de garrafões, que ao primeiro gole se estranham, mas que ao fim de umas horas já estão irremediavelmente entranhadas),  onde os seguranças, em vez de revistarem as pessoas, lhes oferecem água, e onde o ambiente quase familiar predomina. Nos anos em que peregrinei até lá (2004-2007), o evento realizava-se em Kaisaniemi Park, um parque de beleza ímpar situado, literalmente, no meio da cidade. A sério – era por trás da estação central de Helsínquia. Dava para ir a pé. Desde 2011 que mudou para Suvilahti, que também não é assim tão longe do centro (nada é) e conta quem sabe que o ambiente se mantém intacto. De realçar ainda, para quem tem a imagem de uma Finlândia coberta de neve, que, certamente por obra dos Deuses do Metal, o fim-de-semana em que se realiza o Tuska é invariavelmente o mais quente do ano. Apanhei lá alguns dos piores escaldões da minha vida, e eu sou gajo de ir ao Algarve desde pequeno. Até o Mikael Åkerfeldt, num daqueles seus típicos momentos de quase-stand up entre temas, foi forçado a admitir numa ocasião que, com um tempo daqueles, preferia estar na rival Finlândia do que na sua nativa Suécia, para delírio de um público que já estava em êxtase suficiente com o magnífico concerto dos Opeth, em 2006.

Outra das partes giras do Tuska é a selecção de bandas. Sim, andei alguns anos a levar com os Stratovarius, com os Sonata Arctica ou com os Nightwish. Faz parte. Mas sempre houve, no meio do big metal, uma tendência para levar também alguns nomes meio “fora”, que hoje me congratulo especialmente de ter apanhado. Nem é preciso ir muito longe, conhecem este senhor de cabelo curto que andou por lá perdido aos gritos, num ano em que tocaram coisas tão parecidas com os Isis como os Blind Guardian, os Children Of Bodom, os DragonForce (grande concerto, verdade seja dita) os Arch Enemy, ou, imagine-se, os Moonspell.


Nesse mesmo ano deu ainda para ver o último concerto da carreira dos Emperor. Em anos anteriores, alguns desses gloriosos tiros ao lado do mainstream incluiram os tristemente esquecidos Nine, os Celtic Frost (conta quem estava a andar na rua, cá fora, nas imediações do Kaisaniemi Park, que o chão literalmente tremia durante este concerto), os Monster Magnet e uns joviais Gojira, a promoverem um disquinho com uma baleia e uns planetas na capa.


E os Burst! Sacanas dos Burst. Que concertaço do camandro. E que saudades deles.


E, claro, há os personagens. Desde dar de caras com o Jamie Cavanagh a comprar discos no festival (os Anathema tocariam no ano seguinte, ano também em que deu para encher a cara no backstage com o sempre ávido Vincent, durante uma entrevista que descambou um bocado) até ver o inesquecível Portugal – Inglaterra do Mundial de 2006 sentado ao lado de toda a road crew dos Venom, que passou a gostar muito menos de mim depois dessa ocasião festiva (para nós), há uma saudável aproximação de público e artistas. Saudável demais, até, como certamente concordariam as duas moças que o Sam Totman dos DragonForce já levava pelo braço depois de sair do palco, ainda com a guitarra pendurada ao pescoço.

A proximidade mais embaraçosa para mim terá acontecido quando, algum tempo antes de começarem os concertos do dia, na edição de 2005, me encontrava sentado na relva junto à entrada do festival com dois membros dos Swallow The Sun, que tentava entrevistar com reduzido sucesso. Como já deviam ser umas 11 da manhã, naturalmente estávamos com um índice de álcool no sangue assustador, mas não tanto como um senhor vestido, digamos, de forma criativa, num modelito em que a cobertura dos genitais não foi uma opção tomada pelo costureiro. Este cavalheiro, que tinha raminhos de árvore metidos em buracos que outrora teriam servido para piercings a sério, cismou, por entre tombos, que a vida dele não ficaria completa sem mictar para cima daqueles três tristes ali sentados na relva, e não fosse uma intervenção mais enérgica do Swallow The Sun mais sóbrio, a coisa poderia ter ficado preta. Ou amarela, vá. O punchline? Horas depois o dito cavalheiro estava em palco, ele que era um dos vocalistas da banda industrial finlandesa Turmion Kätilöt. Pior ainda, foi um grande concerto. Ele farta-se de levar porrada do outro vocalista, em palco. Ainda lhe comprei uns discos, depois.


Moral da história? Cuidado para onde mijas. Or something.