Taking the long way home… through Tilburg.

Fui deixando o Roadburn para os últimos cartuchos da minha participação não só naquela de deixar o melhor para o fim, mas essencialmente porque não faço ideia de como pegar num festival que já é muito mais que um festival. É impossível resumir num post engraçadinho uma ínfima parte do apelo da concentração anual de Tilburg para quem nunca lá esteve, e é fútil relembrá-lo a quem já foi, porque certamente não pensará noutra coisa o dia inteiro. Não é exagero. O Roadburn é uma espécie de vício incurável. Faz de nós junkies. Salvo imperativos ditados por restrições financeiras, infelizmente cada vez mais comuns entre nós, quem lá vai uma vez já não deixa mais de ir. É escusado falar em razões particulares para o sucesso deste festival que já é de culto, não só a nível europeu mas mesmo mundial, apesar de não ter mais que umas 3.000 pessoas a cada Abril que passa.

Por onde começaria? Pelo labiríntico, porém instantaneamente acolhedor, 013, o espantoso complexo de salas que serve de base ao festival? Lá dentro, sentimo-nos maiores, em todos os sentidos. O festival parece que tem 300.000 pessoas, e é impossível aquilo tudo caber dentro da estrutura que se vê cá fora. Há ali magia negra certamente.

Ou então, começaria pela forma como, qual nuvem espessa, o Roadburn se espalha pela pacata cidade de Tilburg, tenho já tomado conta do Midi Theater em frente (entretanto fechado), do bar da esquina, Cul-de-Sac, e agora até da igreja, Het Patronaat, dando aos concertos de lá uma atmosfera quase surreal, isto tudo já para não falar da Grass Company?

Ou pela devoção, dedicação, respeito e amor (é mesmo isso) incomparável que a dupla de organizadores, o Walter e o Jurgen, tem perante a música que gosta e que leva ao festival, perante as pessoas que lá vão e perante as próprias bandas, conseguindo assim reuniões e concertos especiais à partida fora de qualquer cogitação mais sonhadora?

Ou pela boa onda inigualável que existe, num verdadeiro sentido de comunidade entre staff, bandas e público, que nos permite, por exemplo, ter um Mike Scheidt em loucos stagedives enquanto os Doom tocam ou um Michael Gira descontrolado de excitação durante o massacre do Casper Brötzmann?

Não há por onde começar, a verdade é essa. O Roadburn é como o Natal quando somos pequenos, só que dura quatro dias e tem mais presentes. A sensação é a mesma, quando acaba, aquele vazio de saber que agora vamos ter que esperar um ano. A antecipação é a mesma, com o acréscimo de que nos vão dizendo ao longo do ano quais é que vão ser os presentes.

E pronto, depois desta ode melosa, continuo sem saber bem por onde pegar nisto. Tudo parece pouco. Assim sendo, deixo-vos com a minha solução universal para quando não sei bem o que fazer – uma lista. Neste caso, a lista de concertos à partida mais improváveis que já vi no Roadburn. Aqueles que, se me contassem há uns anos, eu não acreditava. Para a semana volto um bocadinho mais coerente e até arranjo alguns episódios concretos na minha relação com este festival, em vez de adoração vaga. Prometo.

1. WINTER
Os Winter têm uma importância capital na minha formação musical, foi o ‘Into Darkness’ que me abriu horizontes pela primeira vez para milhões de coisas que vieram a seguir e que me fez, em parte, olhar para a música de outra maneira. e parte do encanto até era aquela nuvem de mistério de só terem um disco (e mais uns pozinhos) e nunca mais terem feito nada nem tocado ao vivo nem o camandro. Era por isso daquelas bandas que nem sequer tinha considerado alguma vez ver ao vivo. Aquando do anúncio da reunião para o Roadburn 2011, tive um surto de incontinência, que se foi prolongando nos meses que antecederam o concerto. Que foi perfeito, e não andou muito longe da melhor experiência que já tive com música ao vivo. Li algumas críticas posteriores de que não tinha correspondido às expectativas, e que os gajos não se mexiam, e que nem pareciam gajos “da cena”. Não entender aquele concerto, é não entender os Winter – os Winter são aquilo. Eu não quero que o John Alman se mexa, nem me interessa nada o azeite da meia-idade do Joe Gonçalves, nem quero que vão para ali “mascarados”. Quero é que me vomitem uma ‘Servants Of The Warsmen’ em cima, me estraguem o dia, e que vão à vida deles a seguir. E foi isso que fizeram. Inesquecível.

2. NEUROSIS
Não tanto por serem os Neurosis (apesar de ter sido, no Roadburn 2009, o meu baptismo de fogo ao vivo com eles), mas pelo concerto particular que foi. O facto de estarem três microfones em palco antes do concerto já era uma pista, que se confirmou. Depois de muitos, muitos anos sem tocarem nada do ‘Through Silver In Blood’, nesta ocasião em que encabeçavam o seu próprio dia do Roadburn (enquanto curadores do Beyond The Pale), decidiram fechar a sua actuação precisamente com o tema-título do Melhor Álbum de Sempre, que até hoje continua a ser a performance mais apocalíptica que já testemunhei por uma banda em palco.

3. CANDLEMASS
Aquela coisa que passou pelo SWR mascarada de Candlemass, sem o Leif Edling nem nada, ainda pareceu mais deprimente depois da horinha que tivemos no Roadburn 2011 com o vocalista original, o Johan Längqvist, numa forma surpreendentemente magnífica depois de anos afastado destas lides. A interpretação integral do imortal ‘Epicus Doomicus Metallicus’ esteve tão “lá”, que reuniu por entre o público gente tão díspar como o Michael Gira ou os punks noruegueses dos Summon The Crows (que sabiam as letras todas!).

4. GOATSNAKE
Felizmente, tocaram na 5a feira, o primeiro dia do festival, em 2010, e portanto não foram afectados pelo maldito Eyjafjallajökull que nos “roubou” tantas bandas esse ano (quase todas recuperadas em 2011, note-se) e ainda nos atrasou a viagem de volta para casa. ‘Flower Of Disease’, ‘El Coyote’, ‘The Dealer’, só malhões que ainda ribombam aqui por dentro, enfiados à força pelo vozeirão do Pete Stahl.

5. SAINT VITUS
O Wino, com o Dave Chandler (e com o saudoso Armando Acosta a ter uma actuação horrível, uma das últimas da sua vida), a fazerem piadas um ao outro entre temas, e a largarem aquelas que já fazem parte do nosso DNA, como a ‘I Bleed Black’, a ‘Look Behind You’ ou a ‘Clear Windowpane’ e “aquela”, a última, a especial. Em 2009. Afinal não nasci tarde demais.

6. PENTAGRAM
O Bobby Liebling estar vivo em 2011 já foi um pequeno milagre improvável (a sério, já viram o documentário?). Estar a tocar, ao lado do Victor Griffin, é coisa de ficção científica. Ainda por cima, estar em grande forma ao ponto de parecer um jovem cheio de pica (no pun intended…) em rendições brilhantes de ‘Forever My Queen’, ’20 Buck Spin’ e outras que tais, ainda hoje é difícil de acreditar.

7. GODFLESH
A TOCAR O ‘STREETCLEANER’ TODO! Pronto, depois toda a gente viu no Amplifest e este já não tem aquele carácter elitista de fazer inveja aos outros, mas ali foi a minha primeira vez, pronto.

8. d.USK/diSEMBOWELMENT
Um daqueles que só mesmo no Roadburn é que era possível – o concerto nem sequer foi assim tão bom como isso (os anos e a falta de prática nestas andanças notaram-se…), mas era o ‘Transcendence Into The Peripheral’ todinho, ali mesmo à nossa frente. Se tivesse sido no mesmo ano dos Winter, era a minha adolescência do doom toda ali. Só faltam os Thergothon a tocar o ‘Stream From The Heavens’. Dêem-lhes tempo…

9. VOIVOD
Toda a gente mais as mães já viu Voivod a esta altura do campeonato, mas não a tocar o ‘Dimension Hatröss’ todo, que até é o meu disco favorito deles.

10. ADERLATING
Quem acompanha mais ou menos os disparates que vou escrevendo em vários sítios (os meus pêsames desde já) já deve ter percebido uma certa fixação pelo Mories e seus projectos (Gnaw Their Tongues e assim), mas dado o carácter reclusivo do senhor, nunca pensei vê-lo num palco. Até ter apanhado com o estrilho dos Aderlating em 2009…