Tema e Variações: Digital e tal
Na semana passada, após um texto sobre o vinil, recebi uma resposta que me motivou a estender a discussão ao digital. A gravação de um vinil pode ser feita de forma inteiramente analógica (processos eléctricos são diferentes de processos digitais), mas o processo de gravação de um CD, embora tenha algumas semelhanças com o do vinil, já se serve de informação digital. Os aspectos mais fundamentais na qualidade da música digital são dois: “sample rate” e “bit depth” (há quem traduza para “taxa de amostragem” e “profundidade de bits”, mas é menos sintético). O facto de serem conceitos complexos causa alguma confusão quando nos deparamos com estes termos, mas é possível explicá-los de forma simples. Acho que, tendo em conta que estamos sempre a falar de música, não nos faz mal saber estas coisas.
Uma onda sonora é simplesmente uma vibração e, quanto mais lenta, mais grave ela nos soa. Uma onda a 20Hz vibra 20 vezes por segundo, e uma a 20kHz vibra 20 mil vezes, sendo mais ou menos este o espectro total que conseguimos ouvir (varia de pessoa para pessoa e vai diminuindo com a idade). A sample rate é apenas a quantidade de amostras que vamos registar digitalmente a cada segundo. Se queremos gravar sons até 20kHz, precisamos de sample rates que sejam pelo menos o dobro disso (penso que o propósito dessa duplicação é garantir a fiabilidade de cada sample). Para termos alguma margem de manobra, o standard adoptado nos CDs foi de 44.1kHz.
Bit depth, por sua vez, traduz-se na quantidade de bits usados para representar essas ondas – as ondas sonoras são curvas; conseguimos uma representação mais fiel se usarmos mais pontos, exactamente como no caso das imagens digitais. A imagem seguinte mostra que, quantos mais bits, melhor:
Para facilitar, podemos pensar que a sample rate se refere à quantidade de informação gravada, e a bit depth à qualidade da informação. Durante muito tempo usou-se uma bit depth de 16 bits, mas agora tem sido defendido que 24 é mais vantajoso, particularmente por captar melhor pequenas variações de volume. Quanto à sample rate, a tendência é ir aumentando (hoje em dia grava-se muitas vezes em 96kHz, mas há taxas ainda mais altas). Ainda se debate se notamos melhorias no som, mas não podemos negar que estamos, de facto, a gravar mais informação. Também se defende que, com 96kHz, poderemos fazer mais melhorias à gravação no futuro, e que, se um equipamento foi fabricado para gravar nessas taxas, ele será melhor do que um preparado para “apenas” 44.1kHz.
Uma outra coisa que causa muita confusão é o conceito de compressão, porque compressão áudio e compressão digital são coisas diferentes. Neste texto falei da compressão áudio, que tanto pode existir em MP3, em FLAC ou em vinil. Vamos agora para a compressão digital.
Se gravarmos a 96kHz/24 bits, temos 96 mil amostras por segundo, cada uma com 24 bits. Multiplicamos uma coisa por outra, convertemos o resultado de bits para megabytes, multiplicamos por 2 porque em estéreo temos canais diferentes à esquerda e à direita, multiplicamos por 60 segundos, e o resultado é qualquer coisa como 33MB de música por minuto. Quando falamos de compressão digital, estamos a falar de diminuir o tamanho dos ficheiros, afectando o mínimo possível a qualidade do som. O que o formato MP3 (entre outros) faz é procurar a informação que será irrelevante para nós: por exemplo, se um som quase inaudível é abafado por uma guitarra no volume máximo, não precisamos de ter lá o primeiro som, porque não o vamos ouvir de qualquer forma. Com esta e outras técnicas, podemos limitar a informação a 320 mil bits por segundo (ou seja, “bitrate de 320kbps” refere-se a kilobits, não a kilobytes) sem grandes perdas de qualidade. Ficamos com ficheiros bastante mais pequenos, e a maior parte das pessoas não nota qualquer diferença. Incluo-me nesse grupo, e não sei se quero aprender a identificar as falhas do MP3 – ficar insatisfeito com praticamente tudo o que ouço e passar a só querer ouvir vinil, CD e FLAC parece-me um bocado aborrecido.