Tema e Variações: O Caso Babymetal

As Babymetal já existem há uns anos, mas o lançamento do álbum de estreia no fim do mês passado e o marketing bem planeado permitiu o surgimento de um hype enorme. Em pouco mais de uma semana, três dos seus singles viriam a ultrapassar os 2 milhões de visualizações (mais do que qualquer vídeo de Morbid Angel ou de Opeth e não muito atrás de uma banda como Dream Theater, para pôr as coisas em perspectiva) e o álbum chegou ao Top 10 na categoria de rock do iTunes em vários países. Tendo em conta que são japonesas e que o álbum é descrito como uma fusão entre death metal e pop, não admira que sejam populares no Japão e na Suécia; os restantes são países de língua inglesa (EUA, Irlanda, Reino Unido, Canadá e Austrália), para onde foram, provavelmente, direccionados os maiores esforços de promoção. Entretanto deram os seus primeiros concertos em nome próprio numa das maiores salas do Japão e preparam uma tour europeia, sendo ainda difícil de perceber se a moda será demasiado passageira para justificar essa incursão.

Tenho tendência a gostar de música japonesa, incluindo pop rock orelhudo. Sem o “r” espanhol, o “u” francês ou o “ch” alemão, é uma língua extremamente próxima à nossa a nível fonético, sendo o período de habituação bastante curto até nos soar familiar. Mesmo na música mais acessível costumam ter óptimos músicos e um bom ouvido para a melodia e, como não apanho praticamente nada das letras, é uma boa forma de escutar música ligeira em plano de fundo sem me distrair pela sua banalidade. Um aspecto que continua bastante presente é a estética do visual kei, algo um pouco peculiar mas não, de todo, confinado ao Japão.

Surgido pouco depois do glam metal, o visual kei pode ser considerado uma estética mais do que um género específico, e várias bandas tanto apresentam influências de punk e de speed metal como de música clássica e pop rock. Além disso, e ao contrário do que ocorre no glam, não se costuma ver uma grande hipersexualização aliada ao visual kei, sendo as mulheres com faces quase robóticas, os homens de vestido ou a bastante mais comum androginia apenas formas de teatralidade e de corresponder visualmente ao universo que constroem (o significado literal de visual kei é algo como “estilo visual”). Ao contrário também das boy bands, o objectivo nem sequer é parecer o mais jovem possível para haver uma identificação com o público-alvo. De um ponto de vista sociológico, diria que, numa sociedade outrora tão rígida e regrada, que mantém ainda alguns desses princípios, a recusa em aderir a uma dicotomia tão tradicional como a de “homem/mulher” é uma das formas simultaneamente mais inócuas e poderosas de contracultura.

Talvez seja por causa dessa aceitação de visuais únicos e de experimentação com géneros musicais que bandas pouco comuns possam ser vistas mais rapidamente com interesse do que com estranheza. As Babymetal são um trio de vocalistas adolescentes também presentes nas Sakura Gakuin, banda típica de pop. Os músicos que as acompanham (no fundo, os que permitem criar a fusão entre a voz inofensiva delas e o metal agressivo) permanecem, tanto quanto sei, anónimos, já se depreendendo por aí que os interesses do produtor da banda foram o que a criou e o que a sustém. É um produto pop, como tantos outros, mas alvo de algumas reacções particularmente inflamadas.

São acusadas, por exemplo, de comercializar o metal de uma forma planeada e falsa, de descartar do género os seus ideais em troca de dinheiro. Não acho que valha a pena debater muito esse ponto de vista, porque seria ver a banda como metal com elementos pop, quando é claramente pop com elementos metal. Nessa óptica continua a ser possível criticar a sua apropriação das sonoridades mais pesadas, claro, mas o pop, como o nome indica, pretende criar música popular, e algum grau de novidade é sempre fundamental. O género não é uma ilha isolada, por isso é natural que vá buscar alguns elementos a certos nichos. Quando se mete com um género com fãs maioritariamente masculinos e com uma paixão profunda por essa sonoridade, é normal criar-se alguma controvérsia (o que só ajuda o hype).

Não vi por aí muitas críticas ao disco, embora a do Ultimate Guitar seja engraçada por se pôr a discutir o que é “do metal” e o que não é. Mas o que será mais “genuíno”? Uma miúda de 15 anos a cantar que adora chocolate ou, por exemplo, um norueguês adulto de classe média-alta a ir comprar maquilhagem ao centro comercial para parecer mais cadavérico enquanto berra repetidamente sobre sacrifícios humanos na floresta?

Um problema que a música partilha com o cinema é o de tanto poder ser arte como puro entretenimento. Quem só quer saber da segunda componente não costuma ligar muito às necessidades de expressão artística, mas quem valoriza esse aspecto costuma sentir que a composição direccionada para o entretenimento prostitui algo com muito mais valor. É um tema que ficará para outra semana.