12 de Julho de 2008

Por 125 Euros, cerca de 12 horas de condução, e um quarto apertado numa residência universitária, realizo o sonho de ver ao vivo o mais genial escritor de canções que provavelmente nunca passará por Portugal. Estou na sala Kursaal em San Sebastian, um auditório não muito diferente do nosso Grande Auditório do CCB, embora mais aprazível à vista do lado de fora, completamente esgotado, e com os lugares cuidadosamente marcados.

Tom tem, só para si, uma espécie de mini-palco circular dentro do palco principal, no cimo do qual se coloca e se faz rodear dos seus músicos. O palco está coberto de pó que se levanta quando Tom bate o pé no chão. É normal. Deste homem esperamos que faça música de tudo. Até do próprio pó. Quando acabam as músicas, mais do que os “Thank you”, ficam na memória as continências que ele bate para a assistência que o venera, e que ficaria ali a aplaudir o tempo que fosse preciso até que nova canção começasse.

Ouvir uma canção de Tom Waits é sermos levados pela mão por um túnel secreto que só ele conhece (no fim bem que podemos tentar encontrá-lo que não iremos conseguir), onde ele nos mostra o passado, presente e futuro de uma lista infindável de gente, da mais normal à mais estranha, descobrindo idiossincrasias na vida e pose de cada uma delas. Tom não “conta” histórias. Esventra-as, descobre mensagens subliminares no que nas mãos de outros seriam descrições inofensivas. Embrulha-as em música que parece ser a única que faz sentido para ilustrar aquilo que diz. Ninguém sabe realmente onde é que este Frankenstein sorrateiro e sem costuras da música americana (no sentido terrestre, aéreo e marítimo da coisa) nasceu. Mais tarde sentar-se-ia ao piano, atingindo níveis avassaladores de expressividade e intimismo.

Foram 2 horas, e o cliché de que podiam ter sido muitas mais tornou-se tão óbvio que é impossível não realçá-lo. Um concerto 10/10 destes não transcende expectativas. Mas se estamos perante uma experiência inigualável e imbatível em termos de concertos, como pode um desvairadozinho da música sequer sentir algo que não seja um imenso e irrepetível prazer? Tom Waits é a única personagem que queremos encontrar numa noite em que queremos estar sós. A única de que não nos arrependeremos que nos tenha vindo zumbir aos ouvidos. Não há nada que o substitua. Nomear uma só rua/bairro com o seu nome seria uma injustiça para milhões de outros.

Alinhamento:

Lucinda/Ain’t goin’ down to the well no more
Way Down in the Hole
Falling Down
Chocolate Jesus
All the World is Green
Hold On
Cemetary Polka
Dirt in the Ground
Black Market Baby
Lie To Me
Misery is the River of the World
On the Nickel
Johnsburg Ill.
Tango Til’ They’re Sore
Innocent When You Dream
Hoist that Rag
Make it Rain
Cold Cold Ground
November
Jesus Gonna be Here
Singapore
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Trampled Rose
Eyeball Kid
Anywhere I Lay My Head