The years they passed and so did we: Arthur Doyle
Antes de mais, o nome: há dois/ três anos, com os Nadja e o disco Thaumogenesis em mente, escrevi ao Aaron Turner dos Isis a pedir-lhe autorização para uso da frase “The years they passed and so did we” do primeiro tema do Panopticon (viajo imenso com este tema, é habitual recuperá-lo com frequência). O objectivo era, à semelhança do que o ATP fazia, criar uma serie de concertos dentro do próprio Amplifest onde as bandas tocariam determinados discos. Mostrou-se orgulhoso e aceitou imediatamente, mas não, nunca chegou a acontecer. Se por um lado a ideia é exótica, por outro gosto imenso de assistir aos concertos que organizamos e ser supreendido com o que a banda se propôs para aquela noite. Evito saber as setlists com antecedência; discutimos com os artistas, por motivos logístícos, a duração do concerto e por aí ficamos. No papel parecia-me bem e não digo que não venha a acontecer… Talvez um propósito para o futuro.
Arthur Doyle é grito, fogo e fumos. É dos poucos capazes de sobreviver à sua própria lenda. No seu sopro, o jazz tornou-se uma bala. Nenhum outro saxofone será tão imediatamente reconhecível.
Não tive o prazer de o conhecer pessoalmente, nunca terei – Arthur Doyle deixou este mundo no passado Sábado e é sobre ele e esse concerto o primeiro texto desta rubrica. Ironicamente, estava longe do Porto naquela noite de 11 de Março de 2011, deambulava na cidade onde Arthur formou os Blue Humans (o trio mais incendiário do mundo que era a baixa nova-iorquina). A viagem há muito que estava marcada, a proposta chegou umas semanas antes e não havia nada a fazer no que à minha presença dizia respeito. A Amplificasom associou-se à Soopa, o concerto aconteceu e fez-se história: Arthur Doyle, natural do Alabama no Sul profundo dos Estados Unidos da América; que se estreou no seminal “Black Ark” de Noah Howard; que editou “Alabama Feeling” como líder; que passou anos em prisões francesas rodeado de lâminas disformes em quase completa obscuridade; que editou, já nos noventas, gravações caseiras via Ecstatic Peace de Thurston Moore; que partilhou palcos com tantos músicos fabulosos como, por exemplo, nessa sexta-feira de Março, Jonathan Saldanha, Filipe Silva, João Pais Filipe e Gustavo Costa; tocou então pela primeira vez em Portugal.
O feedback que me chegava, do outro lado do Atlântico, era que o Senhor estava extremamente frágil, ninguém se supreenderia se num dia, num dia em breve, as piores notícias chegassem. E chegaram. Dois anos depois. E é horrível, 69 anos não é idade para se partir. Mas viveu muito o Arthur, passou por muito e o legado que deixou, desde aquele sopro tão único até aos discos que para sempre ouviremos até que um dia também nós partamos.
A Amplificasom, “aventura musical” assumida – porque não é apenas um rótulo, seja ele qual for – edita, graças a este esforço colectivo com a já mencionada Soopa e a 8mm, o primeiro e o segundo discos da sua existência como editora. A música é perfeita, a qualidade do som é perfeita, as fotos da Maria encaixam na perfeição.. E, aconteça o que acontecer, é o primeiro de sempre da Amp. Comprei dois!
Os discos têm uma edição de 150 cópias, moram nas casas de outros mestres como o Thurston Moore, por exemplo, que nos contactou a solicitar um disco de cada; vendem-se por 40 e 50 euros no Discogs e nós, na nossa Amplistore ou via reserva (amplificasom @ gmail.com sem espaços), vendemos a 10€. Ainda temos algumas cópias. Poucas. Não é pelo dinheiro, é mesmo pelo pedaço de história, pela homenagem ao Arthur cuja mão não tive a felicidade de apertar.
Descansa, herói.
Esta noite e estes discos não seriam possíveis sem o Jonathan, o Filipe, o Sérgio, o Luca, o Eduardo, o Miguel, a Dayana, a Maria, o Becas, o Gustavo, o João… e todos os que a decidiram viver. Se algum deles ler estas linhas, partilhem connosco. Pela memória do Arthur.
Vita brevis, ars longa.