The years they passed and so did we: Peter Brötzmann

A 14 de Outubro de 2012, duas semanas antes desse sonho chamado GY!BE, realizei mais um: ter o mestre Peter Brötzmann num evento Amplificasom. Adoro free-jazz, desde o som a tudo o que representa, e o Brötz sempre foi A referência. Como dizíamos na apresentação deste concerto, a música está cheia de monstros e colossos, criados ao sabor daquilo que vai sendo vendido, quer nas prateleiras das lojas, quer nas folhas prensadas. Mas aqueles cuja soberba ultrapassa o efémero, estão votados a ficar e ele é definitivamente O maior.

Antes desta noite, tanto fiz n de quilómetros para o ver, por exemplo, com o projecto Hairy Bones no belíssimo Jazz em Agosto, em Lisboa (onde no mesmo alinhamento constava Ken Vandermark com Lean Left), como me desloquei aqui ao lado de casa para o já extinto Chicago Tentet. Foi qualquer coisa vê-lo em palco com o Joe McPhee, Mats Gustafsson, Ken Vandermark (lá está ele outra vez), Paal Nilssen-Love (sim, sábado também), Fred Lonberg-Holm, Per Åke Holmlander, Johannes Bauer, Michael Zerang, Kent Kessler e Jeb Bishop.

Não creio que a generalidade das pessoas tenha noção do que é trabalhar a este nível com zero de apoios trazendo os nomes que temos trazido a este canto europeu, mas alguém perspicaz ainda consegue analisar por que salas e festivais têm passado e de que orçamentos falamos. Ainda assim, fazemos acontecer. Com muita dedicação, sim, muita mesmo. Mas fazemos. E cumprimos com as nossas obrigações, todas.
Dizia o Jaime, um amigo, há uns dias atrás, que daqui a uns trinta anos algum miúdo vai descobrir a Amplificasom e o que ela/ nós fazíamos projectando-a assim a um patamar de culto. O Jaime é um apaixonado, um louco, deve ser por isso que somos amigos mesmo quando temos uma ou outra divergência – os apaixonados e os loucos entendem-se sempre aconteça o que acontecer. Pouca importa o que vai acontecer daqui a 30 anos, importa mesmo é viver o presente até porque quando tiver 60 anos, e se a Amplificasom ainda depender de mim, então isso já ultrapassa os limites da loucura.

Este parágrafo em cima está longe de ser uma espécie de queixinhas, mesmo longe. Não fazemos bandeira disso, claro que não. Quem nos dera ter apoios, quem nos dera usá-los para trabalhar com outra serenidade, para pagar ainda mais e melhor e baixar os preços dos bilhetes. O que queria dizer é: mesmo sendo uma pessoa ambiciosa e lutadora, só me bateu quando estava a caminho do aeroporto. E, acreditem, estava a tremer e disse-lhe isso mesmo, quase que envergonhado, quando lhe apertei a mão. Ele apertou ainda com mais força e o olhar disse tudo.

Fomos almoçar à beira-mar. Ele estava encantado. A coisa mais simples para nós que é comer um peixinho a ver o atlântico e ele, com o seu charuto, a apreciar cada onda que chegava à areia. Não entrou até todas as passas terem sido dadas e, não sei se devia contar isto, partilhou um copo de vinho comigo anos e anos depois de ter deixado de beber.
Duas horas e tal depois e várias histórias (desde a confissão que o Chicago Tentet já não puxava por ele e que ia terminar tudo em breve passando pelo facto de adorar colaborar com o Keiji pela forma como o provoca até a um festival de Setúbal que nos setentas não lhe pagou o cachet ou o facto de ser capa da Wire desse mês – e digo-vos, estava-se a marimbar e só mostrou curiosidade em ver a capa quando lhe disse que a tinha no iPhone) de barriga consolada, arranquei para o Passos para preparar o concerto e ele foi fazer uma sesta. À noite foi tudo o que esperava: brutal do início ao fim, arrepiantemente confortável, pesado, um absoluto titã em palco. 70 anos? Pois… E durante o mesmo almoço dizia-me ele que os seus pulmões já não iam para novos deixando-me a imaginar como teria sido noutra época… Não consigo, nem mesmo ouvindo os discos dessa altura.

Não tenho nenhuma foto com ele, está tudo na memória. Tenho sim fotos como esta em cima da Maria e o poster autografado. Adorei o dia, fica para mais tarde contar aos filhos e netos. Entretanto, longe a longe, trocamos uns e-mails e sei que o verei novamente e não necessariamente em cima dum palco. Ele quer vir cá passar uma semana, perto do mar, só para se dedicar à pintura. Espreitem os trabalhos aqui, adoro.


Ah, recordo-o nesta semana porque no Sábado será mais um momento marcante, não só para mim como para a Amplificasom: Ken Vandermark e Paal Nilssen-Love, duas figuras imponentes deste espectro musical e habituais colaboradores do Brötz (os três, na foto em cima, provavelmente antes de subirem a um palco) tocarão por cá. E isto não se trata de coleccionar cromos, mas muito orgulho tenho. Adorava que se seguisse o Joe McPhee, o Schlippenbach (que desde 2010 não ouço nada novo dele – estás bem?), o Mats Gustafsson, o Peter Evans… Estes dois últimos são novos, temos tempo porque forças há sempre.

És eterno, querido Brötz.