Um fim-de-semana amplificado….

Raramente opto por partilhar textos na sua totalidade, mas este do Manuel A. Fernandes da Rock Rola em Barcelos é de alguém que, mais do que debitar o que viu, percebe o que está por trás.

Poderia iniciar esta crónica de múltiplas formas mas nenhuma seria mais simbólica e ascética do que uma simples e fulcral acção de campanha. Recuando até à última semana de Julho e situando o episódio no parque fluvial de Barcelos. Pelo último dia, alheios a toda a euforia e ócio ululantes que reinavam no Milhões, a equipa do Amplifest encabeçada pelo André Mendes distribuía relembrando que meses mais tarde outro grande acontecimento cultural, iria assentar novamente arraiais no mercado Ferreira Borges. A abnegação e a dedicação daqueles soldados impressionou-me muitíssimo e afastou qualquer dúvida que se tentava agarrar ao meu atávico cepticismo. Ali, eram homens numa missão, funcionários em serviço público. Podiam perfeitamente relaxar e aproveitar os louros da primeira edição. Ou simplesmente aproveitar aquele festival como outro folião qualquer. Mas não, preferiram trabalhar e afirmar claramente que a melomania não morreria ali. Não só porque já constavam (notáveis) bandas confirmadas mas, principalmente, porque o empenho e o background do ano anterior moldaram um confortável lastro de prestígio.

Agora e testemunhando todas as inumeráveis e inefáveis maravilhas que por lá se passaram, importa dizer que o Amplifest é um grande festival. É um festival com gente dentro, de carne e osso. Obra, arte e engenho de pessoas que riscaram a palavra desistir do dicionário e que ainda acreditam nas relações humanas, nos afectos e na gratidão para erguer um colosso. Tornou-se um evento de primeira linha internacional porque ao estimar e educar um público nacional, sobressaiu para quem vem de fora. Vários aspectos se levantam para esta escolha estrangeira: um alinhamento de sonho, um preço bem apelativo e condições logísticas perfeitamente adequadas a uma cidade encantadora. Sim, este festival já fez mais pelo Porto e pelo seu turismo do que cinco contentores de discursos escritos pelos assessores do Rui Rio. Sim, seria bem mais atractivo e pouparia muitas dores de cabeça que o Amplifest se mudasse para a Lisboa do jornalismo musical, dos patrocínios e da concentração demográfica. Mas dessa forma seria muito fácil, este pessoal gosta de desafios. Meus amigos, os critérios são outros e quem corre por gosto não cansa. Foi sempre assim aqui no Rock Rola, será também assim com esta malta da Amplificasom. Como dizia uma amiga minha, o Amplifest é a lezíria do psicadelismo, o bastião do avant-garde rock e um modelo de combatividade e, do tão em voga por estes dias, empreendedorismo. É, por exemplo, de uma enorme coragem manter a aposta arriscada no passe geral único para o acesso a estes dois dias. Ou levas o pacote geral ou pagas o mesmo para ver a tua banda favorita. Por outro lado, foi de uma enorme inteligência moverem os concertos e a dinâmica para outros pontos da cidade. Aproveitar os recursos, agitar as pessoas e tornar este fim-de-semana numa pacote d’a “Vida é Bela”.

Perdoem-me o fait diver mas até os finos/imperiais foram baratos. Coisas que nos levam, inevitavelmente, a comparar com aquele proverbial festival do topo do texto mas que não são assim tão invulgares. Há festivais que não pedem licença para entrar na nossa vida e que se comportam como resposta às nossas frustrações diárias. Arrebatam-nos pela sua própria existência, antecipam o relógio e ditam viagens, alojamentos, ânsias e regalos. Tornando-nos ‘amplifãs’. Somos todos responsáveis por isto e se gostamos tanto destes dois dias, é melhor continuar a preservar este caminho e empurrar esta “caravana”. O grande aspecto positivo de todos estes festivais que começaram a desenvolver-se é que eles não se digladiam, coexistem pacificamente. Sabem que a subtracção de um deles é a perca de um aliado. Nem de propósito, no final do concerto de Godspeed You! Black Emperor, e pela lógica inaugural e alegórica deste texto, deparei-me no exterior com os flyers convidativos para a recepção do Steel Warriors Rebellion 2013, já com alguns nomes adiantados e com a mesma reputação incólume. Vocês sabem do que eu estou a falar: bom ambiente e diversão garantida. É assim que esta gente trabalha, é desta maneira que se sustentam os pilares cada vez mais sólidos de um meio underground simbiótico e cioso do seu espaço e importância. Não é coincidência, é trabalho e muito amor pelo que se faz.