Os Heróis e os Métodos: Haiti

Various Artists – Haiti Direct – Big Band, Mini Jazz & Twoubadou Sounds, 1960-1978 (Strut, 2014)

Após vários dias a ouvir este disco, eis que decidi elevá-lo num pequeno altar, ajoelhei-me e rezei.

O compêndio que é aqui feito, para além de uma dádiva para amantes de música do mundo, traz a um público mais vasto uma realidade sonora que tem tanto de desconhecida como rica.
A toada é quase sempre festiva e só mesmo se tivermos num dia de profunda depressão é que ficaremos indiferentes à boa disposição dos diferentes sons e ritmos de Haiti Direct.

O meu desejo enciclopédico no que diz respeito à música, mantem-me numa missão hercúlea quando tento descodificar tudo o que se ouve em compilações como esta. Algumas palavras-chave para vos poupar a leitura do que vem a seguir – música psicadélica, funk nigeriano (recomendo a audição de colectâneas como Nigeria 70 e Nigeria Special), sons do caribe, jazz americano (fruto dos anos de ocupação), afrobeat, música francesa ou aliança trans-atlântica, highlife etc.

Olhando para o nome do disco, a parte da Big Band é facilmente entendida, sobra o Mini Jazz e o Twoubadou. O primeiro tem origens no merengue, um dos estilos característicos do folclore do Haiti e da República Dominicana, predominando os leads de guitarra, aos quais se junta o acordeão, diversos ritmos e palavras em crioulo haitiano. Trata-se de uma desconstrução das chamadas Big bands, aqui num registo mais rock e psicadélico. Depois temos o Compas, também conhecido como Compas direct, mais uma salada de merengue, em que o improviso é conduzido por uma secção rítmica mais lenta e a transpirar groove, onde a toada é sempre a de incitar à dança, se possível aos pares e no roça-roça.

O Twoubadou, inspira-se nos trovadores e no palavreado para desencaminhar ricas moçoilas ao abusar da palavra amor. Como os músicos andavam sempre de um lado para o outro, os instrumentos usados neste estilo eram todos de fácil transporte, guitarras acústicas, acordeão, maracas, barril e latas, a malimba que é um tipo de xilofone e outros objetos de precursão. Uma sonoridade desenvolvida entre os movimentos migrantes daqueles que iam trabalhar para Cuba.

Podemos ainda referir o zouk, predominante das Antilhas francesas, trata-se de uma amalgama afro-caribenha, que é misturada com os sons de rua de países africanos como os Camarões. Basicamente a palavra quer dizer festa, e se pensarmos na música africana que faz abanar a cintura, então estamos no bom caminho.

Apesar do espaço temporal de quase 20 anos de onde foi feita esta recolha, e apesar de parte desse tempo ter sido de influência ditatorial e predominante pobreza, o povo do Haiti soube desenvolver um caldeirão sonoro que emana uma grande felicidade e exuberância face à rudeza da vida.

Um dos nomes a quem apetece dar um abraço por ter compilado estas bandas é Hugo Mendez, membro do colectivo de dj’s e produtores Sofrito, baseado em Inglaterra e com queda para os sons tropicais.
Ainda de destacar, o facto das vendas desta pérola terem uma porção dos lucros destinada a caridade, apoiando crianças no Haiti.