Sentir por perto aqueles que gostamos

O mau tempo insiste, os dias cinzentos repetem-se num inverno que não se despede, por entre outras coisas que se vão mantendo mais ou menos constantes – a já familiar crise do país (não me podia ter inspirado noutra coisa para a AMPMIX003), o desemprego sempre por perto (directa ou indirectamente)… Mas felizmente a história está longe de se ficar por aqui para piegas como nós, afinal também sabemos ser bons arqueólogos dos pequenos momentos e agricultores das melhores amizades. Nada como sentir as pessoas que gostamos por perto e aí reside uma enorme felicidade. Obrigado a todos que demonstraram o seu afecto na minha chegada aos 30. Vocês são os meus heróis.

 

royal_headache
Em relação aos sons que por aqui têm rodado, primeiro os discos rock, com destaque para o Blood Pressures (2011, Domino) dos The Kills e o trabalho homónimo dos Royal Headache (2011, XVIII). Este último tem servido de vitamina para as minhas necessidades Punk/Garage. Se por um lado o Lo-fi ajuda a sujar algumas linhas mais melódicas que agitam o Garage de grupos como os Thee oh Sees ou White Fence, a música dos Royal Headache agrupa também a sensibilidade Pop e quando necessário acelera em formato Punk, directamente da escola Buzzcocks. Outro aspecto relevante deste grupo é o gingar Soul que sentimos sobretudo pelo registo do vocalista, grave, sentido, forte. Um trabalho que une de forma exemplar a melodia, o formato canção e a energia do rock mais rápido e agitado.

 

curtis
Tenho também ouvido vários discos ao vivo, despertando em mim as melhores memórias e emoções de outros concertos onde estive presente e que me fizeram uma pessoa diferente e mais apaixonada por música. Não me canso de rodar discos como o Dream Letter: Live In London 1968 (1990, Bizarre / Straight) do Tim Buckley, uma espécie de pregador da magia Folk; o Live (1972, Atco) de Donny Hathaway, uma celebração Funk/Soul como poucas alguma vez registadas em rodelas de som, sobretudo tendo o público em profunda devoção e um alinhamento de primeira: “What’s Going On” conhecida na voz de Marvin Gaye,  ou “You’ve Got a Friend” interpretada também por nomes como Carole King/James Taylor. No concerto de Donny o público exulta os seus males cantando num uníssono arrepiante. Por último e ainda no registo de gravações ao vivo, tenho ouvido Curtis/Live! (1971, Buddah) do Curtis Mayfield, uma prestação incrivelmente coesa de ritmos Funk, guitarras a balancearem suaves efeitos psicadélicos e a voz de Curtis a cair como açúcar na melhor sobremesa. Aliás este espécie de mestre Soul, aproveita para conversar, fazer rir o público, e com a sua voz dar a outro ritmo Funk/R n’ B uma noite de intensidade sexual/sonora (exercício onde outros nomes também se especializaram como Sam Cooke ou Al Green). Um clássico absoluto para quem quiser perceber as fundações da chamada Chicago Soul.

 

grouper
Ainda em rotação nos últimos dias, A I A : Dream Loss (2011, Yellowelectric) de Grouper, ambientes e drones melancólicos que têm servido de tónico ideal para alguns dias mais chuvosos. Aqui a guitarra dispersa-se num código sonoro deformado por vários efeitos, a voz é captada como se estivéssemos a ouvir algum tipo de elegia distante e em reverb, uma voz feminina que tanto nos envolve como nos provoca algum desconforto por trazer consigo outros ruídos e ambientes negros. Elizabeth Harris continua a ser um nome essencial para compreender o drone mais espectral, e já gravou alguns dos clássicos do género como Dragging a Dead Deer Up a Hill (2008, Type).

 

thomas_mapfumo
Por fim um dos nomes da música africana que mais gosto, Thomas Mapfumo (entre outros, Fela Kuti, Mulatu Astatke ou Tony Allen), neste caso o disco Rise Up (1991, Real World), uma espécie de estocada crítica a que se juntaram muitas outras feitas por Mapfumo a regimes e políticas opressoras por todo o continente africano, sobretudo sob a batuta de nomes como Robert Mugabe. Apesar de Thomas ser uma espécie de herói em países como o Zimbabwe, cedo teve que se exilar nos Estados Unidos por onde ficou. No entanto isso não o impediu de gravar alguma da música mais relevante das últimas décadas. Se por um lado a sua sonoridade é caracterizada como Chimurenga, agradam-me as melodias, a presença de diferentes ritmos que podem ter um pouco de Reggae como de Afrobeat. Thomas recorre também a instrumentos com o Mbira, teclados com um som sintetizado de qualidade duvidosa, metais, coros femininos, entre outros.  As letras, apesar de não as entender, e mesmo sabendo que algumas servem como intervenção sócio-política, não deixo de sentir nelas uma energia e vitalidade contagiante. Um herói “armado” de um groove enorme.