La Mutazione New Wave Italiana

When I was fifteen, sixteen, when I really started to play the guitar, I definitely wanted to become a musician. It was almost impossible because the dream was so big. I didn’t see any chance because I was living in a little town; I was studying and when I finally broke away from school and became a musician, I thought, “Well, now I may have a little bit of a chance.” Because all I really wanted to do is music – and not only play music, but compose music.
At that time, in Germany, in ’69-’70, they had already discotheques. So, I would take my car, would go to a discotheque and sing maybe 30 minutes. I think I had about seven, eight songs. I would partially sleep in the car because I didn’t want to drive home and that helped me for about almost two years to survive in the beginning. I wanted to do an album with the sound of the ’50s, the sound of the ’60s, of the ’70s and then have a sound of the future. And I said, “Wait a second…I know the synthesizer – why don’t I use the synthesizer which is the sound of the future?” and I didn’t have any idea what to do, but I knew I needed a click so we put a click on the 24 track which then was synched to the Moog Modular. I knew that it could be a sound of the future but I didn’t realise how much the impact would be.

Muitos de vocês já devem estar a completar esta récita dos Daft Punk com as palavras triunfais do autor. Mais do que um testemunho pessoal, Giovanni Giorgio Moroder marcou aqui algo muito mais premente e relevante para introduzir o texto que se segue. A vida cultural e a possibilidade de criar do nada numa Itália alpina, rica e próxima do cerne europeu, a partir da falência do rock clássico, jurássico e teatralizado. A assimetria institucional com a Itália do sul, sempre pendente dos avanços e recuos da alta Itália. A influência da Alemanha, tanto em forma destas pequenas aventuras nocturnas como no traçado coalescente das máquinas ao serviço da arte. O advento da electrónica, a Era da insubordinação estética, a luminária do sintetizador. The sound of the future. O Italo disco de boda com o funk americano. O disco jockey como membro agregador.
Deixei-vos na semana passada com o rock progressivo, na curva da década de setenta para a de oitenta. O paradigma alterou-se e o desgaste daquele entediado rock de cátedra deu lugar a novos algarismos, transmissões sonoras, cóleras e emoções. Já nada podia ser como dantes. E os Sex Pistols ali tão perto…

III – Pós-punk: o poder de dizer não!

A história italiana do new wave começou no final dos anos setenta em algumas áreas bem demarcadas do país espalhando-se depois pelo resto do território italiano. Para o entendimento do pós-punk, definem-se principalmente duas normas: os sons desenvolvidos e evoluídos em consequência da explosão do punk Inglês, circa 1977, (que teria sido também e sobretudo definido como new wave) e como género comumente aceite na base de toda a onda obscura e bizarra dos anos oitenta (iniciada por bandas como Joy Division, Siouxsie & The Banshees ou Bauhaus). Tanto o punk como o pós-punk romperam com o rock clássico que havia sido desenvolvido ao longo do tempo (desde o início da década de cinquenta, basicamente), lançando as bases para o rock moderno (convencionalmente definido hoje em dia como indie ou alternativo). Até aqui tudo bem.

Esta nova corrente musical canalizou toda a raiva de uma juventude cansada da decadência política e social que atravessou um mundo ocidental indefinido perante o final dos anos setenta. Muitos jovens viram nesta nova linguagem o instrumento ideal para continuar a criticar o sistema e uma razão para ficar à parte de uma norma monopolista. Desta forma, vários foram aqueles que manifestaram o seu desconforto, recorrendo a uma fórmula niilista e excruciante que se tornou evidente naquelas canções.

O carimbo estilístico do pós-punk verificou-se no uso novo e diferente de determinados instrumentos na rítmica. A guitarra tornou-se amiúde deambulante, emergindo com força o ritmo muitas vezes pesado do baixo. Os sintetizadores atraídos pelo acumulado progressivo dos setenta divergiram para ambientes mais refinados. O saxofone converteu-se num grito rasgado e dilacerante essencial para muitas bandas, especialmente aquelas definidos no “no wave”, caracterizado por uma abordagem mais jazzy e com características semelhantes às do pós-punk, talvez um pouco mais badaladas pela inspiração funk. Tudo isso aconteceu em Itália, tomando emprestado o fenómeno da explosiva experiência pós-punk originada na Grã-Bretanha, estendendo-se para outros países do norte da Europa e alastrando para as fronteiras italianas e, em traços largos, por todo o continente.


Em Itália, as primeiras tentativas de inclusão do pós-punk despontaram inicialmente em contextos favoráveis ​​então possíveis: principalmente em Pordenone e Bolonha. Na cidade do leste transalpino os movimentos contra-cultura foram pioneiros pela presença de uma base militar da NATO. A explicação é simples: na base aérea de Aviano, repleta de soldados ingleses e americanos em missões internacionais, a interação inevitável entre tangentes culturais importou, de facto, para o norte de Itália os primeiros sinais do novo movimento rock. Numa pesquisa para este trabalho, deparei-me com a seguinte e hilariante citação de um jornal local: «Suba para uma máquina do tempo. Digite “anos oitenta” e “Pordenone”.” Saia. Você irá encontrar-se no meio de uma pequena Londres, entre lambretas de mods, cristas de punks, tufos de cabelo irrepreensivelmente alinhados dos rockabillies e outras tribos urbanas.» Mas em vez disso era apenas Pordenone. Sim, porque em qualquer canto da cidade se reuniam bandos de jovens que inevitavelmente transformavam uma modesta cidade do leste do país, em Camden town.

Já Bolonha ganhou impulso graças à iniciativa dos primeiros fãs do género new wave/post-punk – como Oderso Rubini, que logo fundou a editora Italian Records. Aqui, se formariam então as primeiras bandas de punk/pós-punk/wave da “bota europeia”. Entre os primeiros grupos a serem reconhecidos contam-se os Gaznevada, Luti Chroma, Windopen, Skiantos, Confusional Quartet e todas as bandas de Pordenone integradas sob o denominador comum de “The Great Complotto” (A Grande Conspiração) – nome dado à primeira e mais famosa compilação pós-punk que reuniu a primeira vaga de bandas pordenonesi. Para isto muito contribuiu o “Bologna Rock: Dalle cantine all’asfalto”, um festival de música mítico, organizado pela etiqueta underground Harpo’s Bazar, que teve lugar no estádio coberto do Bolonha, a dois de Abril de 1979, e que contou com a participação de muitos grupos da cena punk, rock demencial e da nova vaga da época.


Originários da cidade académica, os Gaznevada formaram-se por volta de 1977 tornando-os, provavelmente, numa das primeiras bandas charneiras de Itália. A sua sonoridade consistia numa mistura de free rock e um peculiar no wave, o que resultou num cocktail frenético e heterodoxo de referências pós-punk. Mais tarde, iriam render-se à condição de mais um grupo Italo-Disco, apenas desmanchando o nome inicial da banda para Gaz Nevada. “Havia uma atmosfera que falta hoje em dia, havia aventura, o sonho de construir algo interessante e inteligente, e, possivelmente, também popular”, diria na altura o manager da banda Paolo Santoli. Para a cena (não só italiana) da época, os Gaznevada eram uns autênticos alienígenas. Enquanto se desenhavam sem quaisquer escrúpulos no grande reservatório do pós-punk anglo-saxónico, os cinco rapazes de Bolonha possuíam na verdade a rara capacidade de absorver várias inspirações integradas em harmonia com a exigência resumida da própria personalidade da banda. “Oil Tubes”, por exemplo, é um registo funky que parece directamente extraído de um álbum dos Talking Heads. Se alguém lhe disser que foi copiado de “Remain In Light”, não acredite nisso. Os Gaznevada compuseram essa música antes mesmo da edição de “Fear of Music” dos americanos.

À margem destas duas realidades e de forma menos orgânica, algo começou a surgir em outras partes da Itália, especialmente no centro-norte do país. No intervalo entre as duas décadas, o género prospera também em Florença, onde, graças a bandas como Diaframma e Litfiba, o pós-punk foi capaz de escrever uma página muito importante no cenário new wave italiano. Especialmente com outras bandas de grande potencial como Neon, Rinf, Karnak e Polyactive.

Os Diaframma são provavelmente uma das mais notáveis ​​e famosas bandas italianas da época. Com um arranque inicial em 79 sob a direção forte e constante de Federico Fiumani, único membro permanente, sofreram várias mudanças de vocalista na carreira começando com Nicola Vannini. Durante esta altura, gozaram de um culto de seguidores tornando-se conhecidos como uma espécie de “Joy Division italianos”. Com a mudança para Nick Vannini como novo vocalista, os Diaframma tornam-se ainda mais obscuros no som e atitude mas em 1984 para o álbum “Siberia”, com mais um novo frontman (Miro Sassolini) assumiriam desta vez toda a presença da banda. Transformando toda a sua faceta, transitaram de uma banda lírica bilíngue para as mais puras raízes italianas, encetando assim o verdadeiro legado dos Diaframma. “Siberia” é considerado ainda hoje pela crítica especializada, como um dos melhores álbuns de pós-punk italianos e um elemento fundamental para todo o movimento de rock italiano. A partir dele inúmeras bandas italianas o afirmariam como uma inspiração fundamental.


Partindo na primeira parte da década de 80, os Litfiba foram igualmente importantes e responsáveis por trazer a língua italiana para o estilo como os Diaframma conceberam. São também consideradas uma das mais famosas bandas italianas na Europa que percorreram com bastante frequência em tours dessa década. O estilo define-se dentro de um tipo muito tradicional de pós-punk com elementos de synthpop que provavelmente se apresenta melhor no seu álbum “17 re”. Ocasionalmente foram explorando domínios mais experimentais, em canções como “Eneide di Krypton”. No final da década de oitenta, embora ainda estivessem a produzir música, foram aproximando a sua matriz musical do rock alternativo para a pop.
Muitos falam deste momento como a passagem de testemunho de Bologna para Florença como a capital do punk italiano, e com outra acuidade da nova onda italiana. Isso deveu-se não só à dimensão musical que o estatuto comportava e que aqui realmente fez escola, mas a tudo o que foi construído em torno deste novo movimento: desfiles de moda, peças de teatro, festivais e exposições de arte. Eventos entrelaçados que teriam sido reproduzidos em outros contextos nacionais mas sem a visibilidade internacional que pertencia àquela Florença louca dos anos oitenta. A cidade também abrigou músicos new wave naqueles anos, estabelecidos já na cena internacional, como Steven Brown da banda experimental de San Francisco, Tuxedomoon, que se fixaram lá para colher inspiração ou respirar a atmosfera electrizante que estava imbuída na capital toscana.
Aos poucos, porém, cresceram pequenos cogumelos no resto do país, espalhando a palavra infame do punk: Turim, Milão, Roma, Génova, Perugia, Treviso e até no sul do país e ilhas. Apenas para citar algumas das mais representativas, são bom exemplo o “Vesuwave” napolitano, Crotone, Catania ou focos na região de Puglia.

Durante a parte ulterior de culto dos anos 70 várias outras bandas estavam formar-se no norte destacando-se particularmente uma de Monza, uma cidade não muito longe de Milão, chamada Underground Life. Em 1979, lançaram seu primeiro single “‘Noncurance/Black Out”, que conseguiu trilhar o seu caminho até à portada da loja Rough Trade, vendido como “Italian punk rock”. O estilo e som da banda foi variando muitas vezes durante o tempo em que estiveram juntos, experimentando diferentes elementos do pós-punk, synthpop, new wave e minimal e incorporado isso num conjunto baladas bastante austeras e sombrias.
Já os Dirty Actions foram uma das primeiras bandas de pós-punk de Génova que, como tantas outras, durou apenas durante um período muito curto. O seu som é absolutamente contagiante e caracterizado por ritmos mexidos, cheio de batidas dub dançáveis, guitarras estridentes e melodias caóticas de sintetizador.
Deve-se salientar no entanto, que no princípio foi sobretudo um fenómeno de imitação pura e simples, com uma alta dose de experimentalismo e folclore bastante interessante, onde se cantava exclusivamente em inglês, mimetizando os movimentos e passos que se aprendiam na primeira onda do punk britânico (sempre vindas nos clips das longínquas terras de sua majestade). Somente com o tempo, o movimento italiano foi capaz de desenhar um caminho totalmente independente e respeitável. Tanto é assim que, hoje, a new wave italiana é altamente respeitada no exterior embora ainda mal compreendida e documentada.
Vários livros revelam um pouco sobre este período subversivo da “bota”, dos quais sugiro “Bologna Rock” de Paolo Bertrando, “Italia ’80. Il Rock indipendente italiano negli anni Ottanta” de Arturo Compagnoni, ou “Non disperdetevi: 1977-1982, San Francisco, New York, Bologna. Le città libere del mondo” de Rubini e Andrea Tinti.


Quanto a compilações musicais, a fiorentina Spittle Records editou em 2012 o representativo, “Italia New Wave [Minimal Synth, No Wave & Post Punk Sounds From the 80’s Italian Underground]”. Mas principalmente e acima de tudo, o disco que motivou, à partida, todo este trabalho de investigação: “Mutazione: Italian Electronic & New Wave Underground 1980 – 1988”, editado o ano passado pela britânica Strut Records. Definido pelo crítico americano, Miles Raymer, como “the most right-now sounding record out there”, Mutazione é uma amostra ostensiva e detalhada de uma brilhante geração de músicos italianos, em oposição socila, política e normativa, numa década em que a geração contemporânea insiste em propagandear como dispensável e leviana.

«Once you want to free your mind about a concept of harmony and music being correct, you can do whatever you want. So nobody told me what to do and there was no preconception of what to do.» Termina assim Moroder na sua revelação musical. Termina assim este que vos escreve, depois de cinco belas semanas na Amplificasom.

Manuel A. Fernandes escreve de acordo com a antiga ortografia.